Carapina (Governador Valadares) População: 1

Localizado sobre as encostas de uma colina que se eleva sobre a planície do Rio Doce, o Alto do Carapina se desenvolveu a partir de uma polêmica política de expansão territorial, praticada pela prefeitura local no início dos anos cinquenta.

A intenção era que a criação de novos bairros, e a consequente doação e venda de lotes a baixo custo, diminuiria a ocupação das áreas livres localizadas na região central da cidade. No entanto, como será visto, a ocupação deste bairro foi acompanhada por vários problemas relacionados à falta de infraestrutura básica para o bem-estar da população local.

O morro do Carapina fazia parte da antiga fazenda de Antônio Carapina que, de acordo com alguns informantes, tinha a sede localizada entre a atual Escola Municipal Teotônio Vilela e a Igreja Nossa Senhora das Graças, no pé do morro. Segundo informações, as famílias recebiam os lotes através da ocupação informal – em grande medida incentivada pelo poder público municipal – e através da compra, em média de 1.000 cruzeiros por lote.

O início da ocupação do bairro e da construção das casas – que na maior parte dos casos eram de barro e tábuas e, por isso, infestadas de insetos como percevejos – foi bastante difícil. Não existiam ruas, o que predominava era um pasto, com buracos, lama e estreitos trilhos por entre o matagal. A região era de risco geológico, podendo ocorrer desmoronamentos e erosões. Desta forma, além do péssimo acesso dos moradores – que se sujavam na lama e machucavam-se constantemente, devido à precariedade do terreno – era muito complicada a entrada de material de construção no morro.

Somente quando foi criada uma rua com condições mínimas de trânsito automotivo os caminhões passaram a ter acesso ao bairro. De modo geral, as pessoas levavam os materiais de construção em carroças, no lombo de mulas ou a partir do próprio esforço físico. À medida que as ruas foram surgindo, o trânsito de pessoas e veículos começou a melhorar. No entanto, os buracos e o lamaçal ainda causavam grandes incômodos, uma vez que a pavimentação tardou a ocorrer. Segundo informantes, as primeiras ruas a surgirem no Carapina, que por sinal iniciavam no bairro Nossa Senhora das Graças, foram a Caratinga e a Inhapim. As casas, em grande medida, eram construídas pelos próprios moradores através de mutirões e de iniciativas individuais.

No início da ocupação, a dificuldade para se obter água era um dos problemas mais graves. Não existia encanamento, as pessoas tinham que fazer longas caminhadas até o leito do rio Doce, o córrego Figueirinha e os bairros vizinhos. Segundo relatos, tinham que acordar de madrugada para pegar água. A escassez de água era tanta que muitas mães davam banho em várias crianças com a água de um mesmo balde. Com a implantação de alguns chafarizes nas proximidades a situação melhorou um pouco. Dentre estes chafarizes estão o da Rua Tupinambás, ao lado da linha férrea, que separa o morro do centro da cidade e os da Rua Ipiranga. De acordo com informantes, o padre Eulálio Lafuente lutou em prol destas melhorias, através de campanhas e mobilizações.

Alguns chafarizes eram conhecidos a partir de nomes de pessoas. Os da Rua Ipiranga eram denominados Dona Filomena, Germiro dos Santos e Zé Enfermeiro. O da Rua Caratinga de Manoel Preto. Apesar desta quantidade considerável de chafarizes, a situação não foi resolvida, muito pelo contrário. Os moradores antigos lembram que existiam filas enormes para encher as latas e era comum a formação de tumultos, sobretudo pelo fato de ali se encontrarem pessoas advindas de outros bairros que também passavam por problemas semelhantes. Em muitos casos a polícia tinha que intervir para acalmar os ânimos. Apesar disso, estes espaços apresentavam um lado de socialização extremamente positivo, na medida em que serviam também como local de encontros amigáveis, de bate-papo e até mesmo de articulação em busca de melhorias para o bairro.

De acordo com alguns relatos, somente na virada dos anos sessenta para os setenta foi construída uma caixa d’água no alto do morro. No entanto, este serviço foi estendido para a maior parte dos moradores somente no início da década de oitenta. Um informante afirmou que este processo foi concretizado graças à criação da associação de moradores, em agosto 1983. A implantação da entidade, estimulada pela população e pela prefeitura, trouxe também outras melhorias na infraestrutura do bairro.

No início da ocupação do morro, a falta de energia elétrica também causava dissabor na população. As pessoas eram obrigadas a recorrerem à iluminação à vela, lamparina e lampião, sendo que algumas pessoas utilizavam até mesmo tochas para se locomoverem a noite pelo morro. Segundo relatos, foi em meados dos anos sessenta que o Carapina recebeu os primeiros postos de energia, ocorrendo, a partir deste momento, a gradativa extensão da energia para o restante do bairro e suas respectivas casas.

Como dito anteriormente, a grande quantidade de buracos e o barro que se formava nas tortuosas ruas e ruelas do Carapina dificultava o acesso dos moradores, seja por meio da circulação de pedestres ou de veículos. A melhoria do calçamento somente foi alcançada através da mobilização dos moradores, que sensibilizou a administração municipal, durante a década de oitenta, para o início das obras. A escadaria e as rampas, por sua vez, foram criadas a partir do esforço da Associação do Bairro, na época sob liderança de Samuel Domingues Gomes, atualmente falecido. Por sinal, a Associação do Bairro atualmente recebe o nome desta antiga liderança (Associação Samuel Domingues Gomes – ASDOG).

Outro problema encontrado pelos moradores que ocuparam inicialmente o morro do Carapina foi a falta de estabelecimentos comerciais. Com o passar do tempo a situação se reverteu e agora o bairro conta com até mesmo um supermercado. Dentre os comerciantes mais antigos destaca-se o Senhor Juquinha, dono de uma antiga mercearia que representava um ponto de encontro entre amigos e, também, o acesso à compra de gêneros alimentícios e outras miudezas.

O desemprego também afetava a população do Carapina de modo perverso. Até hoje as pessoas reclamam da falta de oportunidades. A maioria dos moradores antigos era de famílias de lavradores que, ao se fixarem na cidade, mudavam de profissão, tornando-se funcionários de armazéns, pedreiros, domésticas, ambulantes e assumindo outras funções ligadas, sobretudo, à informalidade. Se o desemprego marca a história do bairro, algumas iniciativas merecem destaque no combate a este problema. Por exemplo: na década de 1990 foi criada uma lavanderia comunitária para mulheres que lavavam roupas para fora. A lavanderia era equipada com diversos tanques. As mulheres trabalhavam em conjunto e, além disso, eram beneficiadas com a isenção da conta de água e de energia. Com o passar do tempo, a utilização da lavanderia, que atendia a 12 famílias e era administrada pelas próprias lavadeiras, diminuiu.

No morro do Carapina existia um cruzeiro de madeira que, por sinal, segundo informantes, estava associado com o antigo nome do bairro. O cruzeiro, que ficava na parte mais alta do morro, foi queimado, deixando lembranças aos antigos moradores. Estes contam que algumas pessoas derramavam água nos pés do cruzeiro em uma tentativa de trazer a chuva, demonstrando assim, um lado interessante da religiosidade local.

Os antigos também contam que no morro tinha uma capelinha que, por vezes, praticamente sumia em meio ao matagal. Devido a estas condições precárias, muitos fiéis desciam o morro com as crianças para irem à missa na catedral. Com o passar do tempo, no lugar da antiga capelinha foi criada a Igreja atual. Além desta igreja, a comunidade conta com uma capela-velório, bem como igrejas evangélicas de vários cultos, demonstrando a diversidade religiosa da comunidade.

A comunidade está servida com três quadras de esporte e conta com um time que já venceu torneios até mesmo no Paraná. Além disso, também tem a sua disposição um posto de saúde e uma escola pública estadual que, de acordo com informantes, oferece ensino de qualidade.

A associação dos moradores contou com várias lideranças. Dentre elas destacam-se duas, ambas falecidas. José Otávio dos Santos (Zé Lagoa), que segundo moradores era uma pessoa dinâmica, persistente e que negociava diretamente com os políticos. Merece destaque também o já referido Samuel Domingues Gomes. A Associação, segundo dados do ano de 2006, atendia a 1,2 mil crianças, 200 delas através da creche – uma conquista histórica da população. Esta entidade possui ajuda do Fundo Cristão e de alguns padrinhos. Atualmente a ASDOG tem a parceria com o Programa Comunidade Viva em Ação, que oferece cursos na área de música, esportes, capoeira, informática, manicure e outros.

De acordo com relatos, existia um bloco caricato no morro do Carapina, denominado “Juventude Carapina”, que era muito grande e recebeu vários prêmios carnavalescos. Os informantes também apontam a existência de um grupo de caboclinhas na comunidade. Dentre os locais de convívio social do bairro destacam-se a quadra de esportes e o bar Recanto da Juventude, localizado na travessa Tumiritinga. No Carapina ocorrem dos tradicionais forrós aos recentes bailes funks. Dentre as comidas mais famosas do bairro estão o feijão tropeiro e o peixe peroá.

Desta forma, temos um breve histórico deste importante bairro de Governador Valadares. Fica claro que, apesar das dificuldades, os moradores e as suas respectivas lideranças lutaram para as inúmeras melhorias do lugar. No mais, a cada dia o Morro do Carapina se firma como um tradicional bairro da cidade, demonstrando ser um lugar extremamente significativo para a memória coletiva de muitos valadarenses, sobretudo dos que lá viveram e ainda vivem.

Carapina (Governador Valadares)
Carapina (Governador Valadares)
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Artistas

A pesquisa realizada pela equipe Favela é Isso Aí, em parceria com o Núcleo Cidade Futuro e correspondentes bolsistas da comunidade revelou que existem pelo menos 18 artistas-solo e grupos culturais no bairro Carapina, que envolvem em suas atividades aproximadamente 163 pessoas. A maior parte da produção artística é na área do Artesanato, somando oito cadastros (44,4%). Em segundo lugar está a área da Música, com seis cadastros (33,3%) na comunidade. Em terceiro lugar, aparece a área da Dança, com dois cadastrados (11,1%). Foram também encontrados um artista da área das Artes Plásticas e um grupo de Folclore e Religiosidade. As maiores necessidades relatadas pelos entrevistados são de recursos materiais e financeiros para produção do trabalho artístico, e divulgação de seus trabalhos, necessidades citadas cada uma por cinco dos artistas entrevistados (27,8%). Quatro deles (22,2%) disseram ter necessidade de espaço para produzir, ensaiar, expor e/ou apresentar seu trabalho.