Vila Viva: intervenção radical no Aglomerado da Serra

O Programa Vila Viva, executado no Aglomerado da Serra, região centro-sul de Belo Horizonte, chama a atenção pelas proporções. De acordo com informações da URBEL, a intervenção abrange seis vilas e vai afetar cerca de 50 mil pessoas. A obra é a construção de uma grande avenida, que vai unir a Av. Cardoso, no bairro Santa Efigênia, região leste da capital, à rua Caraça, na Serra. Serão 1.635 metros de extensão e duas pistas de rolamento, com 16 metros de largura. Além da alteração do sistema viário, o programa prevê a construção de cerca de 1500 unidades habitacionais, em 10 conjuntos, para onde serão deslocadas famílias removidas em função das obras ou retiradas das áreas de risco.
Apesar de atrair a atenção de outros estados e capitais – o governador e engenheiros do Rio de Janeiro, por exemplo, estiveram aqui para conhecer de perto o Programa -, a intervenção dá margem para questionamentos de moradores e especialistas.
A antropóloga Clarice Libânio, coordenadora do Favela é Isso Aí e ex-funcionária da URBEL, pondera: “intervenções desse porte podem abrir uma ferida no tecido urbano, cortando, rasgando, separando, seccionando. É claro que traz benefícios para algumas parcelas da população, principalmente, nesse caso, aquelas que vão passar de carro pela vila”.
O grande número de remoções necessárias para a obra vai afetar a vida dos habitantes do Aglomerado da Serra. De todas as pessoas que foram ou serão deslocadas, 75% optaram por ficar no próprio Aglomerado, segundo dados da URBEL. O restante preferiu receber a indenização, que tem valor médio de 20 a 22 mil reais. “A pessoa pode escolher o dinheiro ou o apartamento no próprio local. Às vezes, a casa é tão precária que o valor de avaliação é 3 mil reais. Quando isso acontece, nos convencemos a pessoa a aceitar os apartamentos, porque a família tem um ganho econômico e melhoria da qualidade de vida. Se depois disso, a pessoa não quiser o apartamento, que vale 32 mil, muitos optam por ir para o interior com o dinheiro”, explica o coordenador social do órgão, Aderbal de Freitas.
Na opinião de Maurício Libânio, sociólogo com décadas de experiência em urbanização e regularização fundiária nas favelas, a indenização quase sempre não é um bom negócio, pois o valor recebido, na maior parte das vezes, só dá para comprar moradia na região metropolitana ou em outra favela, não gerando melhoria na qualidade de vida dessas pessoas. “O pobre que precisa de um lote, hoje, não compra em Belo Horizonte, ele vai para a região metropolitana, paga um preço social enorme e vai sendo excluído. Ele vai para uma cidade vizinha e não arruma emprego em BH, o patrão quer evitar o vale transporte”, exemplifica. O representante da URBEL explica que o pioneirismo no projeto está no fato de ele tentar manter as relações que as pessoas já tinham anteriormente, por isso, a insistência para que as pessoas fiquem na comunidade.
A regularização fundiária é outro gargalo, de acordo com Maurício Libânio. Segundo ele, este é um problema que assola os habitantes de prédios construídos pelo poder público na cidade. Aderbal de Freitas diz que para o Aglomerado da Serra este problema já está sendo resolvido “Na Serra, a regularização está prevista para acontecer à medida que as áreas forem urbanizadas, aí já se vai trabalhando a regularização. O título de propriedade deve sair em 3 anos, período de cronograma da própria obra”, afirma Freitas.
A mudança para as moradias verticais também apresenta algumas implicações que merecem uma solução que atenda melhor aos removidos que têm imóveis comerciais, avalia Maurício. As pessoas que têm comércio no lote de casa, por exemplo, ficam prejudicadas, pois nos apartamentos a atividade não é possível, é o que pontua o especialista. “A pessoa tinha uma padaria, ela é indenizada pela benfeitoria, mas não recebe pelos lucros cessantes”, avalia Libânio.
A professora Nilma Alves, 26 anos, é uma que terá prejuízos econômicos com a mudança. Na opinião dela, a obra pode até ser boa, mas o dinheiro que ela vai receber pela casa onde mora não a satisfaz. “A obra pode até ser legal, mas essa indenização pra mim não é legal. Eu trabalhava, eu perdi meu serviço porque a escola onde eu trabalhava não dá vale transporte. A gente não sabe o que vai fazer com a indenização, nem casa para comprar a gente achou”, conta.
De acordo com ela, o valor a receber não dá para comprar nada por perto. “A casa que a gente tem por aqui, se for para comprar por aqui a gente não consegue com o valor que a gente recebeu. O pessoal todo subiu o valor das casas”, revela. Ela completa: “Eu não tenho vontade de morar nos prédios, aqui em casa tem área, tem espaço, tem três quartos, pra mim apartamento é sem espaço. Eu tenho um quintal, tenho uma loja, que estava alugada. Eu perdi uma fonte de renda, agora a loja esta parada porque nós vamos sair. Aí a gente não aluga mais. Aqui em casa todo mundo vai perder o emprego”, adianta.
Maurício Libânio reflete a opinião de especialistas e movimentos sociais, que apontam que há outras opções mais viáveis para o desadensamento da Serra e a garantia das melhorias urbanas. Entre estas opções está a construção de habitações horizontais, que apresentam menos problemas relacionados à gestão condominial.
Uma das moradoras atingidas pelas obras, Claudilene Lopes de Oliveira, 27 anos, está achando a obra bonita, mas não vai querer se mudar para os prédios, embora planeje usar a indenização para comprar outro imóvel no próprio aglomerado. “Se eles forem me indenizar eu não vou sair daqui, eu vou comprar uma casinha perto daqui. Pra mim aqui é um lugar melhor pra tudo: hospitalar, se não tiver dinheiro vai a pé pro centro. Eu quero comprar outra casa, apartamento eu não quero, não. Eu quero mais liberdade para os meus filhos, eu tenho três filhos”, diz.
Embora esteja gostando das alterações, o medo de Claudilene Lopes é que com a ocupação dos prédios o local vire uma espécie de Cidade de Deus, subúrbio carioca, ou Cingapura, em São Paulo.
Segundo Aderbal de Freitas, esta não é uma preocupação só dos moradores. “É uma preocupação também da URBEL. Em outras experiências, até em BH, a maioria deu muito certo, conjuntos que hoje estão ocupados e de maneira harmônica, na medida do possível”, observa. O coordenador explica que já existe uma estratégia de prevenção contra a desorganização “É um trabalho intenso de preparação para a nova realidade que irão enfrentar, na relação com as pessoas, queremos investir na geração de ocupação e renda para que as pessoas tenham condições de se manter. Tem um aspecto também urbanístico que ajuda a contribuir com o processo de desfavelização: cada bloco terá apenas oito famílias, um número menor de famílias que irá dividir a área comum”.
“Com benefícios e prejuízos, esta é mais uma das grandes obras que vêm ocorrendo na cidade nos últimos tempos. O papel da população é participar das discussões, por mais que o sentimento seja de falta de abertura. Só o envolvimento da população em todas as etapas do processo pode tornar melhor qualquer tipo de intervenção”, constata Clarice Libânio.

Veja outra matéria sobre intervenção semelhante em http://www.favelaeissoai.com.br/noticias.php?cod=8

Vila Viva em números

O Aglomerado da Serra tem uma área de 1,4 milhão de metros quadrados e faz limite com o Hospital da Baleia, o Parque das Mangabeiras e com os bairros Paraíso, Santa Efigênia São Lucas e Serra. É formado pelas vilas Marçola, Nossa Senhora de Fátima, Nossa Senhora Aparecida, Nossa Senhora da Conceição, Novo São Lucas e Santana do Cafezal. De acordo com dados da URBEL, são 46.086 moradores em todo o Aglomerado, número esse que os movimentos sociais questionam, estimando em mais do dobro a população total residente no local.
A idéia de implantar o Programa Viva Vila na Serra surgiu através da elaboração do Plano Global Específico, instrumento de pesquisa e planejamento realizado nas vilas e favelas, tendo como empresa consultora responsável a Dam Engenharia.
Para implantar o Programa, a Prefeitura vai utilizar 171,5 milhões de reais. Deste montante, 113,3 milhões de reais são financiados pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), com contrapartida de 25% da Prefeitura, e 58,2 milhões de reais pelo Governo Federal, através do Programa Saneamento para Todos, da Caixa Econômica Federal, com contrapartida de 10% do município. O término da obra, que já está em andamento, está previsto para 2008.
O Programa também inclui obras de pavimentação, rede de drenagem, construção de escadarias e muros de contenção em aproximadamente 23,8 mil metros lineares de becos. Faz parte do Vila Viva a construção de um parque esportivo, num terreno de 20 mil m² cedido pela Fundação Benjamin Guimarães.
Atualmente, o empreendimento está gerando 450 empregos. Aproximadamente 80% da mão-de-obra é de trabalhadores residentes no próprio Aglomerado. A estimativa é que no auge das intervenções sejam criados em torno de 1.500 mil postos de trabalho. Uma iniciativa nesse sentido, em funcionamento desde março de 2006, é a Cooperativa de Costureiras, que já recebeu encomenda para a confecção de 200 uniformes para os trabalhadores das empresas que executam as obras. Outro curso a ser oferecido em breve é o de Capacitação de Mão-de-Obra em Construção Civil.

VEJA FOTOS DAS OBRAS em http://www.favelaeissoai.com.br/galeria.php

FONTES

1) Aderbal de Freitas – coordenador social do Programa Vila Viva
Telefone: Assessoria de comunicação da URBEL – 3277-4959
2) Maurício Libânio – especialista em regularização fundiária
Telefone: 3555-1196/1197
3) Claudilene Lopes de Oliveira – moradora do aglomerado
4) Eva Gonçalves Pereira – moradora do aglomerado
5) Nilma Alves – moradora do aglomerado
6) Eliene Ferreira – moradora do aglomerado

Informações para imprensa: Edilene Lopes e Luciana Matsushita – (31) 3282-3816

Colaboradores: Edmar Pereira da Cruz
José Roberto Alves Moreira