Bibliotecas comunitárias ampliam o acesso à leitura nas vilas e favelas

A construção de bibliotecas comunitárias tem sido um desejo e a ação de muitas pessoas que trabalham para ampliar o acesso à leitura em cidades do interior e nas vilas e favelas da capital mineira. No entanto, as dificuldades encontradas são muitas, a começar pela arrecadação de livros. No pacote vem a necessidade de um espaço, de alguém para gerenciá-lo e de conservação do material. Em Belo Horizonte, a atuação do poder público tem sido essencial nesses processos. A Prefeitura, através da Fundação de Cultura oferta formação para quem atua nesses espaços, orienta sobre organização de livros, direciona livros doados e ajuda a delinear o perfil do público local.

Hoje, a capital mineira tem 35 bibliotecas comunitárias. Na maior parte das vezes elas são montadas por associações comunitárias e por iniciativa de igrejas católicas, evangélicas e centros espíritas. “Esses são grandes espaços incentivadores de leitura”, diz Marlene Edite Pereira de Rezende, Diretora de Leitura e Informação da Fundação de Cultura de BH. Atualmente a prefeitura faz o cadastramento de bibliotecas comunitárias com o objetivo de oferecer cursos; oficinas de formação para mediadores de leitura; orientação de procedimentos básicos para organização de acervos; e promoção e organização de encontros para discussão e troca de experiências. O poder público também contribui para a formação de acervos, com remessas de materiais recebidos por doação e/ou reservando parte de recursos orçamentários da Fundação Municipal de Cultural para este objetivo.

Determinação é a palavra chave

Algumas vezes, sem a ajuda inicial do poder público, tem gente que toca o barco sozinha. Apesar dos obstáculos, as bibliotecas comunitárias já fazem parte da realidade de muitas pessoas, graças ao esforço de poucas. No bairro Murilo Gonçalves, na periferia de Itaúna, município na região centro-oeste do estado, Palmira Feliciano da Silva mantém uma biblioteca comunitária na própria casa. Na sala dela, que agora virou um espaço público, mais de 300 livros ficam disponíveis ao acesso de quem queira ou precise. Palmira fez tudo sozinha, vendeu até papel reciclado para comprar os livros. A ajuda externa só veio depois que Palmira já tinha trabalhado bastante e juntado mais de 100 exemplares. “O que eu quero é que as pessoas leiam, podem ficar com o livro o tempo que quiserem", disse Palmira em entrevista à jornalista Hélem Lara, de Itaúna, coordenadora do projeto de Jornalismo Escrita Cidadã e colaboradora do Favela é Isso Aí. (Acompanhe a história completa de Palmira na próxima edição do Jornal Favela é Isso Aí)*

O lixo como fonte de inspiração

No bairro Jardim Leblon, na região da Pampulha, em BH, membros de uma cooperativa de reciclagem viram nascer do lixo o sonho de uma biblioteca comunitária. “Na coleta diária eram encontrados muitos livros, aí eles tiveram a idéia de montar uma biblioteca e me convidaram”, conta a estudante Gláucia Malaquias da Cruz, de 24 anos. De acordo com ela, o espaço começou a ser organizado no começo do ano passado, mas com a morte de um dos membros da cooperativa, o projeto ficou paralisado e só foi retomado há poucos meses. Além do espaço para abrigar a biblioteca, a cooperativa tem as estantes e cerca de 2.000 livros. De acordo com Gláucia, a dificuldade atual é organizar o acervo e administrar o espaço, encontrando pessoas dispostas e preparadas para trabalhar no local. Informada de que pode obter ajuda, a estudante disse que vai procurar orientações junto a Fundação de Cultura, tanto para a formação de mediadores quanto em prol da administração do espaço.

O poder público é responsável, mas a população também

O que é feito em Belo Horizonte é que o poder público, além de ofertar o serviço, apóia iniciativas comunitárias. Na avaliação de Marlene Edite, o governo tem seus deveres, mas a comunidade também não pode fugir às suas obrigações. “O poder público é responsável pelo incentivo à leitura, mas não cabe só a ele, ele não dá conta de toda a demanda. Por isso, cabe à sociedade civil fazer a sua parte, daí a importância desses espaços alternativos que incentivam a leitura”.

Em Belo Horizonte, a Fundação de Cultura é responsável pelas bibliotecas regionais, que são quatro, as antigas sucursais da Biblioteca Luiz de Bessa. Tem ainda as bibliotecas dos centros comunitários, a Biblioteca Infantil e as ações do Projeto Beagalê, com a realização de seminários, a promoção de espaços de leitura e o Baú Itinerante, que leva livros aos Centros de Apoio Comunitário – CAC e aos Núcleos de Apoio à Família – NAF.

Os dois lados da ausência: falta acesso e produção

Além das dificuldades usuais, as bibliotecas comunitárias ainda sofrem com a ausência de produções literárias sobre a periferia. A dificuldade de se encontrar livros que falem sobre a realidade das favelas supera até a de montar uma biblioteca. Hoje, essa realidade tem se alterado, as academias e os próprios moradores estão trabalhando para levar para as páginas oficiais as histórias das vilas, favelas, vilarejos e cidadezinhas.

Uma iniciativa relevante nesse sentido foi o lançamento, nesse mês de agosto, da primeira edição da Revista da Laje, produto do Projeto Memória do Aglomerado Santa Lúcia. Apesar de ser revista, e não livro, promete trazer conteúdos fundamentais para o conhecimento e reflexão dos moradores da comunidade a respeito de sua realidade e seu papel na construção da cidade.

Também o Favela é Isso Aí vem contribuindo para suprir parte dessa lacuna, primeiro com o lançamento do Guia Cultural das Vilas e Favelas de Belo Horizonte, em 2004, e agora com a produção da coleção Prosa e Poesia no Morro, com informações sobre a diversidade cultural das comunidades de Belo Horizonte.

Com cinco volumes, a coleção aguarda um patrocinador para viabilizar sua impressão. O primeiro volume, intitulado Banco da Memória, traz o perfil e história de 18 comunidades de Belo Horizonte e é a primeira atualização e aprofundamento do Guia Cultural das Vilas e Favelas. O volume dois, chamado Produção Literária, é composto por poesias e contos dos escritores das favelas de Belo Horizonte, recolhidas através de um concurso público lançado pelo Favela é Isso Aí. Receitas da comunidade é o volume três, com mais de100 receitas recolhidas entre os moradores dos aglomerados da cidade. O volume quatro, denominado Pensando as favelas de Belo Horizonte, tem nove ensaios sobre a produção cultural da prefeitura de BH, escritos por especialistas no tema. O livro cinco é um catálogo de artesanato, com fotos de trabalhos de artistas moradores das vilas e favelas da capital mineira.

“A coleção ajuda a preencher a lacuna que hoje existe em termos registro da produção cultural nas vilas e favelas de Belo Horizonte e do Brasil. O objetivo é divulgar, apoiar e promover a diversidade cultural das favelas da Capital Mineira, disponibilizando também essas informações para as populações que nelas residem”, diz Clarice Libânio coordenadora-executiva do Favela é Isso Aí e idealizadora do projeto. E seu principal público, obviamente, serão as escolas e bibliotecas comunitárias, através de distribuição gratuita.

FONTES:

1) Entrevistada: Marlene Edite Pereira de Rezende – Diretora de Leitura e Informação da Fundação de Cultura de BH

Telefone: 3277-9833

2) Entrevistada: Gláucia Malaquias da Cruz, de 24 anos, responsável pelo Projeto de Biblioteca Comunitária do Bairro Jardim Leblon

Email: [email protected]

3) Entrevistada: Clarice Libânio –coordenadora da ONG Favela é Isso Aí

Telefone: 9779-7237

4) Fonte: Matéria da jornalista Hélem Lara, coordenadora do projeto de Jornalismo Escrita Cidadã. Veja o texto com a história completa de Palmira na próxima edição do Jornal Favela é Isso Aí. *

FOTO: Biblioteca do Centro Cultural São Bernardo