Vídeos sobre periferia: da simples forma de expressão a denúncia socialAumenta o número de vídeos, em especial de documentários, sobre a periferia. Com a produção, uma nova perspectiva em relação à realidade das vilas e favelas. Hoje, a discussão sobre o acesso a produção, a apropriação das novas tecnologias e sobre o papel desse registro estão em pauta. E para entendermos um pouco melhor, vamos fazer uma breve viagem no tempo.“Terceiro Cinema”: é assim que alguns pesquisadores de cinema denominam o cinema engajado, de denúncia, produzido no que seria o Terceiro Mundo, os países em desenvolvimento. O “Terceiro Cinema” surge nos anos 60 a partir do conceito político “Terceiro Mundo”. Nesse momento da história, existiam vários movimentos a favor da conscientização social e do diálogo intercultural. Segundo a professora Angela Prysthon, no seu artigo “Cinema e periferia: constituição de um campo”, “a cultura mundial acabou sendo influenciada e influenciando os movimentos políticos simultaneamente”. Nos anos 60 e 70 o cinema produzido nos países periféricos vive um período de efervescência cultural. Ainda segundo Angela Prysthon, o “Terceiro Cinema” emerge como um conjunto de procedimentos mais ou menos comuns à maioria dos diretores engajados na denúncia social. Esses produtores abordavam temas relativos ao segmento marginalizado da sociedade, negavam um modelo único e afirmavam o chamado “cinema de autor”. Para alguns especialistas, os anos 80 são os anos da desilusão, quando o “Terceiro Cinema” se torna-se improdutivo por alguns anos. Anos 90 – Periferia, novamente, em cenaNa década de 90, o cinema vive a chamada “Reinsurgência da Periferia”, nome dado ao movimento cinematográfico que, segundo Prysthon retoma questões ligadas ao imaginário político-social das décadas de 60 e 70. Surge, nesse momento, um cinema periférico que torna-se uma espécie de moda cultural dos grandes centros. “Os principais temas dos filmes vão ser a pobreza, a opressão social, a violência urbana das metrópoles inchadas miseráveis, a recuperação dos povos colonizados e oprimidos e a constituição das nações”, afirma a professora. Século XXI: documentário hojeHoje, para César Guimarães, professor da UFMG, os vídeos brasileiros têm um papel de enfrentamento e resistência importante na discussão sobre a periferia no atual contexto social. Para ele, esses vídeos tendem a mostrar os vários discursos possíveis, reforçando uma realidade mais complexa do que aquela comum aos discursos que predominam nos veículos de comunicação. O objetivo é alcançar as diferenças. “A diferença se dá na maneira como o documentário deixa de construir representações genéricas, abordando as singularidades”. Neste caso, fala-se em abandonar o narrador que passa sua perspectiva sobre algo para abordar a experiência desse ou daquele sujeito.A criação de um discurso autônomo passa a ser um ato de auto-afirmação do homem comum, principalmente quando o assunto é a periferia. A utilização do audivisual passa a ser uma forma de romper com os clichês criados em torno dos moradores de vilas e favelas.A antropóloga e cineasta, Júnia Torres, acredita que os documentários ao apresentar uma visão positiva da periferia diferenciada da visão já estigmatizada têm cumprido um papel de inovação na linguagem audiovisual e na forma como se pode ter acesso a este universo. Para Júnia Torres uma visão “a partir de dentro”. Novas tecnologias facilitam a produçãoCésar Guimarães destaca o fato das novas tecnologias terem contribuído para uma democratização na produção. Computadores e equipes menores, formas mais fáceis de editar, tudo isso contribuiu para que um número maior de pessoas tivesse a oportunidade de realizarem vídeos que abordam temas que não são tratados na grande mídia. Júnia Torres concorda com o professor e afirma que um dos papéis do audiovisual é exatamente o de promover inclusões culturais e políticas a grupos determinados. “Isso ocorre na medida em que se tem democratizado, a partir das novas tecnologias, o acesso e a produção audiovisual, ampliando o poder de expressão a grupos excluídos da mídia hegemônica”, conclui a cineasta. Para Cardes Amâncio, cineasta e diretor da Avesso Filmes, “o audiovisual e, principalmente, o crescente acesso aos meios de produção, câmeras, computadores, fornece um contraponto à grande mídia que na maioria das vezes toma partido da elite, que representa menos de 5% da população. O povo faz mídia, o povo faz cinema, o povo faz história. Isso já está acontecendo. O processo é lento e irreversível”, é o que ele acredita. O terceiro setor e os canais de veiculaçãoHoje, principalmente no Terceiro Setor, é crescente a produção de documentários que tem a periferia como tema. Vários desses vídeos são frutos de oficinas de audiovisual. Apesar do aumento na produção, os canais para veiculação ainda são restritos. De acordo com César Maurício, coordenador audiovisual da ONG Favela é Isso Aí, foi justamente por causa dessa falta de espaço que a associação criou, em Belo Horizonte, o festival nacional de vídeos “Imagens da Cultura Popular Urbana – Favela é Isso Aí”, a exemplo também do “Visões Periféricas” e do “KinoOikos”. Para os especialistas, atualmente, os festivais têm papel importante na difusão dessa produção. “Vou repetir a frase de um dos participantes do festival Favela é Isso Aí ‘Esse festival é bacana porque nós estamos vendo vídeos que, muito provavelmente, não veríamos em lugar nenhum’”, conta César Maurício. Sugestões de fontes:1. César Guimarães – professor da UFMG Contato: 3409-4189 assessoria da UFMG2. Cardes Amâncio – cineasta e diretor da Avesso Filmes Contato: www.avessofilmes.com.br3. Júnia Torres – antropóloga, cineasta e pesquisadora do Centro de Referência Audiovisual de Belo Horizonte/CRAV Contato: 3277-46994. César Maurício – coordenador audiovisual da ONG Favela é Isso Aí Contato: 3282-3816