Artesanato proporciona às mulheres de comunidades carentes melhores condições de trabalho e de vida

Artesanato proporciona às mulheres de comunidades carentes melhores condições de trabalho e de vida
Ana Paula Valois

A maioria das favelas ou chabolas, como dizem os espanhóis ou mesmo villas miserias, como se referem os argentinos, tem um grande número de mulheres desempregadas, que dedicam seu tempo à casa e aos filhos, enquanto ficam sem saber como buscar renda ou mesmo por onde começar. Como melhorar esta realidade e contribuir para reduzir o número de mulheres desocupadas? Alguns projetos em Minas Gerais possibilitam uma oportunidade de especialização na área artesanal a muitas mulheres que vivem em comunidades carentes.

A Mestre em Comunicação Social, Ana Luisa Santos, diz que o artesanato representa, hoje, uma oportunidade de desenvolvimento econômico e social para diversos grupos, cooperativas e associações em todo o país. “A atividade proporciona a geração de renda para artesãos e artesãs, bem como um resgate de sua auto-estima, exploração de seus potenciais criativos, por meio do aprendizado e exercício de processos produtivos especiais”.

O reconhecimento adquirido pelo artesanato nas duas últimas décadas, do ponto de vista dos processos criativos, está relacionado ao que o feito à mão representa hoje frente ao caráter industrial da maior parte dos processos produtivos (e criativos) da economia contemporânea. O artesanato também vem alcançando legitimidade como expressão cultural e identitária de uma comunidade, de grupos, de relações, de um país. Tal compreensão participa de um processo cultural de valorização dos saberes e ofícios particulares, que revelam visões de mundo, crenças, afetos e referências estéticas singulares, destaca Ana Luisa.

O ASAS (Artesanato Solidário no Aglomerado da Serra) é uma iniciativa da Universidade Fumec, através da professora Natacha Rena, que visa a capacitação de alunos da Escola Municipal Padre Guilherme Peters, no Aglomerado da Serra e tem o apoio do UniSol (Universidade Solidário) e Banco Santander. Coordenado por Schirley Maria Araújo e Suzana Oliveira, o Projeto está há três anos em atividade e atualmente tem 12 alunos, mas precisa ter mais associados para continuar, ressalta Natacha.

Em 2008 se inscreveram e venceram o concurso Unisol/Santander, junto com mais nove projetos, entre os 212 inscritos em todo o Brasil. “Com esta nova parceria conseguimos um grande avanço nos trabalhos, construímos uma oficina de estamparia completa no Aglomerado, além de produzirmos uma coleção de objetos com fortes características do cotidiano da comunidade”, ressalta Natacha Rena. A oficina de estamparia se solidificou e passaram a ser oferecidas oficinas de costura, encadernação e audiovisual.

Atualmente, são mantidas na Escola três oficinas, costura, estamparia e encadernação. O projeto pretende preparar a comunidade para que ela possa ter autonomia criativa, produtiva e comercial.

Para Shirley Araújo, integrante do ASAS desde o começo, professora da Escola Aberta nos fins de semana e da Escola Integrada nos dias de semana, o projeto aumentou sua capacidade de criação. “Com o ASAS adquiri minha própria técnica, voltei a estudar e no fim do ano vou prestar vestibular para designer de moda”, completa Shirley. 

No Guia Cultural das Vilas e Favelas de Belo Horizonte, da antropóloga e coordenadora da ONG Favela é Isso Aí, Clarice Libânio, o artesanato registrou a segunda incidência da produção cultural das vilas e favelas da Capital, o que corresponde a 24% dos grupos ou artistas-solo das comunidades. O artesanato só perde para a música (39%) e está à frente de outras áreas culturais como dança, teatro, literatura e folclore.

Para provar ainda mais esta profusão de projetos e a capacidade das pessoas de se dedicarem ao artesanato em Minas Gerais, a coordenadora do Grupo Boas Mãos, do Conjunto Granja de Freitas, em Belo Horizonte, Mariana Mattos, desde 2005 acompanha o trabalho de economia solidária e cooperativista para o desenvolvimento de peças em retalhos das senhoras em torno de 50 e 60 anos do bairro.

“Elas produzem sacolas, carteiras, quadros, peças exclusivas para o Centro Mineiro de Referência em Resíduos e vendem alguns produtos na feira de artesanato da Avenida Bernardo Monteiro”, diz Mariana. O Boas Mãos está integrado ao Instituto Acesso, desde 2003 instalado no Granja de Freitas. O objetivo do Instituto é também direcionar as pessoas para o mercado formal de trabalho e oferecer cursos técnicos, como o de informática.

Outra experiência do tipo está em Governador Valadares, no oeste de Minas: o Grupo de Mães Edelwais, localizado no Bairro São Paulo, está há mais de 20 anos trabalhando com artesanato voltado para a terceira idade, com o objetivo de resgatar a auto-estima das mulheres e proporcionar a elas uma renda. Dona Dejanira Passos já participa do grupo há 10 anos e produz bordados para encomenda. Para ela, esta oportunidade a obriga sair de casa e ter momentos de tranqüilidade para criar.

Apesar de existirem tantos projetos desse tipo em Minas, matéria publicada no Jornal Estado de Minas, no dia 27/09/2010, aponta que há um déficit de cerca de 20 mil costureiras em todo o Estado. Visando suprir parte desse déficit, está chegando à periferia de Belo Horizonte o projeto Economia do Território, que pretende levar as demandas das empresas às escolas profissionalizantes de costura nas periferias, de modo a suprir objetivamente a falta dessa mão-de-obra. A ideia é implantar escolas de costura nas comunidades carentes, como Aglomerado da Serra, Barragem Santa Lúcia, Vila Cemig, Independência, São José e Morro das Pedras.

Outro exemplo de dedicação, produção e, principalmente, criatividade é o “Favela Fashion”, projeto de pesquisa e documentação da moda criada e vivenciada nas vilas e favelas da capital mineira. O projeto realiza atividades culturais de registro, apresentação e formação com acesso gratuito nas comunidades. A ideia é aliar formação, pesquisa, debate e produção, visando não só criar oportunidade, mas, sobretudo, trocar, (re) conhecer, criar.
 
À frente do “Favela Fashion” há cerca de três anos , Ana Luisa Santos diz que a capacitação, geração de renda e certa independência que as mulheres, artesãs, artistas, costureiras, bordadeiras e aderecistas adquirem a partir dessas iniciativas, grupos, cooperativas e projetos é muito positiva. Não acredito que a abordagem deva ser como “alternativa”, mas como prioridade, ressalta Ana Luisa.

“Acredito que a troca e o intercâmbio também entre projetos, linguagens e profissionais é muito interessante. Aliar a técnica do bordado, da costura ou do artesanato com o design, as artes plásticas, a moda é uma estratégia bem contemporânea e também urgente nesse mundo complexo que nós vivemos”, conclui Ana. 

Para saber mais sobre outros projetos artesanais desenvolvidos nas vilas e favelas de Belo Horizonte, você pode entrar em contato com a ONG Favela é Isso Aí, que lançou, em 2008, um livro voltado para o artesanato nas favelas da cidade, dentro da coleção Prosa e Poesia no Morro.