Leis de Incentivo à Cultura: dificuldade ou oportunidade?

Quando se analisa as listas de projetos aprovados nas Leis de Incentivo à Cultura ou se convive com grupos culturais da periferia é possível perceber a dificuldade de muitos em lidar com estes complexos mecanismos que podem ser sinônimos de oportunidade ou dificuldade. As principais reclamações dos grupos que não conseguem aprovar projetos nas leis são referentes à leitura, interpretação e elaboração dos projetos. Segundo a assessora da Lei Municipal de Incentivo à Cultura, Carla Cristiane Prestes da Costa, as leis geram muitas oportunidades, mas os problemas para um proponente são diversos. “Uma das maiores dificuldades está na redação dos projetos, em passar a idéia para o papel. Às vezes o empreendedor tem uma idéia excelente, apresenta a proposta, mas no papel faltam informações básicas porque não houve levantamento adequado de elementos para o planejamento”, analisa.

A falta de acesso aos meios digitais, que concentram as informações, de acordo com a assessora, ainda representa um problema. “Muitos não possuem acesso à rede, onde disponibilizamos os editais e datas de entrega para os empreendedores. O projeto não pode ser entregue em manuscritos, porque dificulta a compreensão. É exigido datilografado ou digitado”, explica. Segundo Carla Cristiane, existem ainda outras questões como o preenchimento correto dos formulários, compreensão do texto para saber adequar o projeto, falta de leitura do edital, o que resulta na ausência de documentação necessária, formulários incompletos e inadequação de propostas, às vezes relacionadas com outros segmentos não culturais, como saúde e meio-ambiente.

Para facilitar o acesso ao mecanismo de incentivo, a Secretaria Municipal de Cultura começa a adotar algumas alternativas, pontuadas por Carla Cristiane. “Fazemos discussões para propor as idéias de alteração para a Lei, decreto e edital”, conta assessora. O próximo edital, que será publicado na segunda quinzena de setembro, pode apresentar uma inovação, seguindo o modelo de edital compartimentado, dividido por área, valores e propostas definidas para cada uma. Estão sendo pesquisadas leis vigentes em outras cidades, como Curitiba e São Paulo, para atender a demanda da classe artística de Belo Horizonte, que pede editais separados por áreas. Caso o modelo seja adotado, a elaboração dos projetos poderá ser facilitada.

Ainda na tentativa de orientar e minimizar as dificuldades, a secretaria oferece atendimento todo ano quando o edital é publicado. Representantes do órgão vão às regionais e ficam à disposição na própria secretária para explicar e tirar dúvidas sobre a Lei.

Para a antropóloga Clarice Libânio, existem pontos complexos no acesso dos grupos culturais da periferia às leis de incentivo. “A falta de informação é um deles. As pessoas não têm a menor idéia do que sejam as leis, falta conhecimento de como elaborar projeto, prazo de inscrições, é um universo restrito de pessoas que acompanham. Elaborar um projeto exige conhecimento técnico. É tudo muito complexo, justificativa, objetivo, linguagem, depende de uma elaboração aprofundada de narrativa de texto, de conceitos. A questão de montar documentação, currículo, portifólio, para quem nunca teve contato, gera dificuldades e dúvidas. A captação de recursos é outra questão complexa. Ainda que seja aprovado o projeto, o contato com patrocinadores é difícil, e sem patrocínio o projeto fica inviabilizado”, argumenta.

Segundo Clarice Libânio, o projeto corre risco de não ser patrocinado quando não oferece segurança, certeza de qualidade e retorno mercadológico para as empresas. Além disso, existe no mercado a preferência em patrocinar grupos já consagrados. Grupos iniciantes normalmente encontram dificuldades em obter patrocínio.

Formação: uma necessidade urgente para facilitar o acesso

Ampliar o acesso às informações, através de cursos de formação permanente em gestão e planejamento cultural voltados a artistas e produtores da periferia é, segundo Clarice Libânio, uma das vias para oferecer oportunidades iguais a todos. “Democratizar o acesso dos grupos de periferia às leis de incentivo foi um trabalho feito durante dois anos, através de um projeto financiado pelo Fundo Municipal de Incentivo à Cultura. Com projeto do antropólogo José Márcio Barros, em 2003 e 2004 foram oferecidos dois cursos para grupos de periferia, que eram convidados a participar, e vimos resultados. Grupo do Beco, Arautos do Gueto e Pêlos de Cachorro, são grupos que hoje estão alcançando maior projeção e que foram alunos desses cursos. Há quatro anos é realizado outro curso na área, que faz parte de um projeto do mesmo empreendedor, aprovado pela Lei Estadual e patrocinado pela Telemig Celular, porém este é oferecido não apenas em Belo Horizonte, mas também para municípios do interior de Minas Gerais.”

Ainda que sejam constatados progressos, muitos grupos culturais de periferia que conseguiram superar a etapa da elaboração de projetos tiveram suas propostas recusadas. É o caso do grupo de rap S.O.S Periferia, que já concorreu com projetos nas leis Municipal e Estadual e conseguiu a aprovação apenas na terceira tentativa, enviando um projeto para a Lei Federal, onde conseguiram aprovar a turnê e a gravação do CD “A Tribo”, em outubro de 2005. “Adquiri informações sobre as leis através de palestras e seminários já há algum tempo. Dentro do S.O.S Periferia, assumi a responsabilidade de me instruir sobre as leis, procurando produtoras e fiz um curso de desenvolvimento e gestão cultural, patrocinado pela Telemig Celular”, diz o rapper Betley Jesus Ferreira, conhecido como Negro Beto. Mesmo buscando conhecimento, ele afirma que existem algumas especificidades dentro das leis que emperram o entendimento. “Com as informações que tenho hoje, ainda surgem alguns entraves. São feitas exigências de difícil alcance, por exemplo na Lei Estadual, em que é preciso anexar uma carta de cada artista convidado a participar do projeto declarando estar ciente. São de oito a dez modelos de carta. Se o artista convidado não for de Belo Horizonte, dificulta. E a variedade de modelos de carta provoca dúvidas”, avalia. Outro problema citado por Beto é não saber ao certo o motivo de reprovação de um projeto.

O grupo de rap NUC – Negros da Unidade Consciente – desde 2000 elabora projetos para concorrer nas leis de incentivo municipal, estadual e federal. De todos os projetos feitos e entregues, sete já foram realizados. Dos sete projetos envolvendo circulação de shows e gravação de cds, dois foram aprovados pela Lei Municipal e cinco pela Estadual. Pela Lei Federal, já tiveram três projetos aprovados, mas não foram realizados por falta de patrocínio.

“Apesar de termos vários projetos aprovados, ainda lidamos com a dificuldade de encontrar empresas que queiram patrocinar, porque muitas empresas ainda não acreditam que é um bom negócio investir em cultura. Ainda são poucas que se predispõe, se o projeto não oferece uma visibilidade em massa, simplesmente não patrocinam”, explica DJ Francis, do NUC. Ele atribui as aprovações a algumas ações adotadas pelo grupo, como a formação de gestores e produtores na equipe e o histórico de trabalhos que construíram dentro das áreas propostas. “O NUC se capacitou através de vários cursos oferecidos pelo poder público, ONGs e muitas reuniões, debates e palestras de empresas privadas”, afirma Francis.

Victor Luciano, produtor do grupo Arautos do Gueto, que já teve projetos aprovados pelas leis Municipal e Estadual, conta que as leis não eram muito claras para ele antes de buscar capacitação em dois workshops oferecidos pelo SATED, em 2001. “A planilha era a maior dificuldade, porque o formulário não era muito claro para a gente na época. Hoje em dia eu acho tranqüilo porque tive acesso à informação. Mas antes era complicado. O empreendedor se depara com detalhes que podem barrar o projeto e se frustra por ter que esperar mais um ano”.

Victor Luciano indica alguns passos para aqueles que desejam aumentar as chances de ter um projeto aprovado: buscar cursos de capacitação na área de gestão cultural e planejamento para no mínimo três pessoas do grupo, além de pedir e buscar ajuda de grupos experientes na área. “Os grupos de periferia ficam muito descrentes das leis de incentivo, porque temem a frustração isso faz com que muitas pessoas deixem de apresentar projetos. Não fomos aprovados em vários editais de órgãos privados, mas persistimos. Algumas entidades como o Sated – MG – Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos, a DUO, empresa que presta consultoria a produção cultural, realizam cursos na área de gestão e planejamento e também a Telemig Celular em várias cidades de Minas e em Belo Horizonte”, indica Vitor.

O Favela é Isso Aí também começa a contribuir para reduzir essa distância entre os grupos culturais das vilas e favelas e as leis de incentivo. A idéia é oferecer assessoria aos artistas para a elaboração e gestão de seus projetos, de forma a ampliar o acesso aos mecanismos de fomento previstos em lei. O primeiro grupo a experimentar essa assessoria é o Brother Soul, que vai apresentar no próximo dia 18 de agosto um projeto de montagem e circulação de seu próximo espetáculo de dança, Irmãos de Alma, à Lei Estadual de Incentivo à Cultura. O Grupo, que já tem 20 anos de estrada e recentemente foi convidado a participar da gravação e lançamento do DVD de Fernanda Abreu no Canecão, nunca teve qualquer apoio do poder público para desenvolvimento de suas atividades artísticas.

Conheça mais sobre as leis

Lei de Municipal de incentivo à Cultura

Os projetos podem ser inscritos tanto na modalidade Incentivo Fiscal quanto na modalidade Fundo de Projetos Culturais, observados os critérios estabelecidos para cada modalidade. Os projetos inscritos deverão ter caráter estritamente artístico-cultural. Cada empreendedor poderá inscrever, no máximo, 2 (dois) projetos, não podendo o mesmo projeto ser apresentado, simultaneamente, na modalidade Incentivo Fiscal (IF) e na modalidade Fundo de Projetos Culturais (FPC). Podem ser inscritos projetos nas áreas de: produção e realização de projetos de música e dança; produção teatral e circense; produção e exposição de fotografias, cinema e vídeo; criação literária e publicação de livros, revistas e catálogos de arte; produção e exposição de artes plásticas, artes gráficas e filatelia; produção e apresentação de espetáculos folclóricos e exposição de artesanato; preservação do patrimônio histórico e cultural; construção, conservação e manutenção de museus, arquivos, bibliotecas e centros culturais; concessão de bolsas de estudo na área cultural e artística; levantamentos, estudos e pesquisa na área cultural e artística; realização de cursos de caráter cultural ou artístico destinados à formação, especialização e aperfeiçoamento de pessoal na área de cultura em estabelecimentos de ensino sem fins lucrativos.
Informações:
Fundação Municipal de Cultura
Edifício Chagas Dória – Rua Sapucaí, 571 – Floresta – CEP: 30.150-050
Tel.: 31.3277-4640 / 3277-4628
e-mail: [email protected]

Lei Estadual de Incentivo à Cultura
Os projetos são analisados pela Comissão Técnica de Análise de Projetos (CTAP), que considera desde os critérios técnicos – pré-requisitos quanto ao empreendedor e enquadramento de seu projeto, viabilidade técnica e exeqüibilidade, detalhamento orçamentário, efeito multiplicador e benefício social – até o fato de possuírem caráter estritamente artístico-cultural e interesse público. A CTAP é uma comissão paritária, composta por representantes da Secretaria de Estado de Cultura e das entidades culturais do Estado, tendo total autonomia para avaliação e julgamento dos projetos.
Os proponentes devem ficar atentos às exigências legais e seguir, rigorosamente, as instruções fornecidas. A não-apresentação de um documento solicitado no edital pode resultar na desclassificação de sua proposta. Normalmente, a Secretaria abre um único edital para apresentação de projetos a cada ano. Após a aprovação do projeto, o proponente recebe um certificado de aprovação e busca patrocínios de empresas incentivadoras que fornecem até 80% do valor do projeto, recebendo desconto no ICMS.
Informações:
Secretaria de Estado de Cultura
Diretoria de Projetos e Incentivo Cultural – DPIC
Praça da Liberdade, nº. 317 – Belo Horizonte, MG
Horário de atendimento: dias úteis, de 10 às 16 horas
(31) 3269-1024 e 3269-1126
O Edital da Lei Estadual de Incentivo à Cultura fica aberto até dia 18 de agosto.

Lei Federal de Incentivo à Cultura

Concebida em 1991 para incentivar investimentos culturais, a Lei Federal de Incentivo à Cultura (Lei nº 8.313/91), ou Lei Rouanet, como também é conhecida, poder ser usada por empresas e pessoas físicas que desejam financiar projetos culturais. Ela institui o Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), que é formado por três mecanismos: o Fundo Nacional de Cultura (FNC), com verba própria do governo; o Incentivo Fiscal (Mecenato), financiado por empresas; e o Fundo de Investimento Cultural e Artístico (Ficart). O FNC destina recursos a projetos culturais por meio de empréstimos reembolsáveis ou cessão a fundo perdido e o Ficart, mecanismo inativo atuamente, possibilita a criação de fundos de investimentos culturais e artísticos.
O Mecenato viabiliza benefícios fiscais para investidores que apoiarem projetos culturais sob forma de doação ou patrocínio. Empresas e pessoas físicas aproveitam a isenção em até 100% do valor no Imposto de Renda e investem em projetos culturais. Além da isenção fiscal, elas investem também em sua imagem institucional e em sua marca.
A lei possibilita também a concessão de passagens para apresentação de trabalhos de natureza cultural, a serem realizados no Brasil ou no exterior.
Fonte: Ministério da Cultura
http://www.cultura.gov.br/apoio_a_projetos/lei_rouanet/index.html
Governo do Distrito Federal
http://www.sc.df.gov.br/paginas/fac/fac_15.htm

Ministério da Cultura
Informações ao Público: (61) 3316-0654/3316-0655/3316-0660
[email protected]
Informações à Imprensa: (61) 3316-2200
[email protected]

Fontes:
Fundação Municipal de Cultura – Carla Cristiane Prestes da Costa – Assessora da Lei Municipal de Incentivo à Cultura
Contato: 3277- 4640 / 3277- 4648
Clarice Libânio – coordenadora da ONG Favela é Isso Aí
Contato: 3225-5483 / 9779-7237
SOS Periferia – Negro Beto (Betley Jesus Ferreira)
Contato: 3634-3389
Arautos do Gueto – Victor Luciano – produtor
Contato: 3334-0117 / 9942-3590
NUC – Negros da Unidade Consciente – DJ Francis
Contato: 3468-2245
Brother Soul – José Tito
Contato: 9107-2657 / 3331-5058