Arte e cultura: direito previsto a ser garantido

De acordo com o texto da Constituição Federal de 88, “O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.” Ainda segundo o texto, “O Estado protegerá as manifestações das culturas populares, indígenas e afro-brasileiras, e das de outros grupos participantes do processo civilizatório nacional.”

O texto da Constituição de 88 é claro no que diz respeito ao significado que a cultura possui para o povo. Essa idéia é expressa também no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), onde a família, a comunidade, a sociedade em geral e o Poder Público são considerados responsáveis pela efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.

Em outro capítulo, do direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, é posto que a criança e o adolescente têm direito à educação, visando o pleno desenvolvimento de sua pessoa, preparo para o exercício da cidadania e qualificação para o trabalho, assegurando-lhes o acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um. Outro aspecto definido no ECA é que no processo educacional devem ser respeitados os valores culturais, artísticos e históricos próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo a liberdade de criação e o acesso às fontes de cultura. Os Municípios, com apoio dos Estados e da União, estimularão e facilitarão a destinação de recursos e espaços para programações culturais, esportivas e de lazer voltadas para a infância e a juventude.

O texto é categórico ao afirmar que “A criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento". De acordo com o advogado Baracho Júnior, especialista em Direito Constitucional e membro da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas gerais (OAB-MG), estas leis possuem um significado muito próprio. “A Constituição garante a liberdade de expressão e de manifestação artística e cultural e define a proteção às manifestações culturais como um dever do governo, e como necessárias para a formação da personalidade das crianças e do adolescente. A arte e a cultura são fundamentais no estímulo a criatividade, a solidariedade, a uma boa relação com as próprias emoções e pode, ao mesmo tempo, abrir uma perspectiva profissionalizante para algumas crianças e adolescentes. O investimento em arte e cultura é inseparável dos demais que o Poder Público tem, a própria Constituição aponta nesse sentido de proteção a cultura e a arte e proteção a criança e ao adolescente”, avalia.

Na opinião de Baracho Júnior os direitos previstos não são de fato garantidos. “De modo geral, os incentivos que o Poder Público tem dado são muito pequenos, basta ver os orçamentos, os recursos normalmente são muito escassos, e quando são destinados a criança e ao adolescente são menor ainda. É inegável que tem sido feitas tentativas, através das leis de incentivo à cultura federal, municipais, estaduais e do audiovisual mas são tentativas ainda muito tímidas”, sinaliza. Como alternativas para tornar possível que o direito a arte e cultura sejam efetivados, o especialista em Direito Constitucional aponta como indispensável um comprometimento do setor privado com a questão. “Em países da Europa e EUA, que destinam muitos recursos para o setor cultural, além do governo há investimentos do setor privado, da indústria de cinema e teatro. No Brasil, há tanto uma parcela pequena de recursos públicos, como também o papel do setor privado no fomento de arte e cultura e muito pouco estabelecido. Investir em arte e cultura não é uma mera caridade. Tem resultados até mesmo na própria na rentabilidade de algumas empresas, além de se reverter em benefícios para a coletividade”, opina.

Segundo a avaliação de Baracho, a acessibilidade à produção de arte e cultura, como direito garantido, aos moradores de vilas e favelas, ainda é restritas. “Os moradores de vilas e favelas adequam espaços para experiências artísticas e culturais, que ficam normalmente limitadas a iniciativas próprias ou apoiadas por ONGs que possam levar a esses espaços atividades de fomentos a arte e cultura. Sem dúvida, ainda são insuficientes as atividades culturais destinadas a este público, principalmente do ponto de vista da criança e do adolescente. Se muitas vezes não há uma estrutura familiar que permita o desenvolvimento pleno, esses espaços comunitários ao menos podem representar um espaço saudável para elas se desenvolverem”, avalia.

De toda forma, a importância da participação do setor privado na garantia do direito à arte e a cultura se faz cada dia mais visível. Os principais exemplos podem ser vistos pelo trabalho das Organizações Não Governamentais que atuam na área. Essas instituições, através do financiamento do setor privado, têm sido fundamentais na garantia do direito. Algumas entidades atuam diretamente com o público da periferia como é o caso das ONG’s Querubins, Corpo Cidadão e Favela é Isso Aí, em Belo Horizonte, e do Projeto Kabum, que atua no Rio de Janeiro, Recife, e Salvador. As duas últimas iniciativas desenvolvem projetos que foram impulsionados pelo Instituto Telemar. Como este, muitos outros institutos e fundações, vinculados a grandes empresas, são responsáveis por patrocínios à formação em arte e cultura. As universidades também tem começado a discutir a questão, lançando uma nova luz sobre as possibilidades de acesso e produção cultural aos moradores da periferia.

Possibilidades de acesso

Em Belo Horizonte, a Universidade Federal de Minas Gerais tradicionalmente oferece eventos de arte e cultura não somente para a comunidade universitária, como também para o público em geral, na maioria das vezes gratuitos. Através da instituição, o Poder Público tem buscado aproximar-se da garantia de arte e cultura para todos, previstas por lei. Mauricio Campomori, diretor de ação cultural da Universidade Federal de Minas Gerais afirma que atualmente na cidade o processo de democratização da arte está em andamento, devido a uma percepção política presente nas três esferas governamentais da importância da participação e envolvimento de todos os cidadãos, sem distinções, no fazer artístico, não limitando o acesso somente à fruição, incrementando a descentralização da cultura, apesar de ainda considerar as ações incipientes.

Em sua ultima edição o Festival de Inverno da UFMG apresentou inovações em seu formato, preterindo uma postura elitista e centralizadora ao realizar atividades culturais e um seminário para discutir políticas de gestão cultural com a participação de um público composto por comunidade acadêmica, moradores do Centro e Periferia de Diamantina e moradores do Vale do Jequitinhonha. “O interesse da Universidade nos festivais e no festival de inverno era de interiorizar as ações, reconhecendo a riqueza e a diversidade cultural das cidades do interior. Diamantina representa a porta de entrada para o Vale do Jequitinhonha e oferece a possibilidade de incorporação das tradições e culturas locais e reflexão sobre o fazer artístico. A UFMG tem uma visão critica consolidada para exercer esse caminho, de ir até regiões de IDH mais baixos, onde há possibilidade de oferecer um evento pouco usual, buscando uma interação efetiva com o público local, como fez a Escola de Belas Artes, que promoveu um mini-festival paralelo favorecendo manifestações culturais espontâneas fora do Centro de Diamantina”, pondera.

Mais que direito, profissão.

Maria Helena Cunha, sócio-diretora da DUO-Informação e Cultura, gestora do Museu de artes e Ofícios e da Rede Telemig Celular de Arte e Cidadania, elaborou dissertação intitulada “Gestão Cultural: Profissão em Formação”, na qual analisa a constituição do campo de gestores culturais em Belo Horizonte desde a década de 1980. Seu trabalho tem como foco principal a compreensão dos diferentes processos de formação de gestores culturais e sua relação na condução de suas trajetórias profissionais. Ela constatou que família, escola e comunidade ocuparam um papel significativo no processo de sensibilização artística e cultural dos sujeitos que escolheram gestão cultural como profissão. “Foi identificado como os movimentos sociais e sindicais, além da família, da escola e da comunidade têm um papel importante nesse processo, que acontece através do contato desde a infância com a área cultural. Pela dissertação mostro que o trabalho de educação e cultura é fundamental na formação de público e profissionais para o setor”, explica.

Segundo Maria Helena, para que a cultura seja priorizada pelo Poder Público assim como a saúde e segurança pública é preciso que haja fomento a pesquisas para mensurar os impactos do setor cultural na economia incluindo desde o montante de recursos aplicados e processos econômicos envolvidos na criação, produção, fruição da arte, gerando renda, emprego, movimentação de impostos e a inter-relação entre cultura e desenvolvimento econômico para que sejam alavancadas discussões de política pública.

A educação básica, somada a disponibilidade cursos de formação cultural, contínuos, de longa duração, com perfil de aplicabilidade e planejamento voltados para o público morador de periferia é apontada por ela como essencial para a conquista da democratização da acessibilidade e formação cultural. O trabalho em rede é colocado por Maria Helena também como exemplo de êxito no setor cultural: “Eu participo da Rede Telemig Celular de Arte e Cidadania, que é um excelente exemplo de parceria entre Poder Público, que viabiliza recursos das Leis Federal e Estadual de Incentivo à Cultura, ONG’s, grupos culturais e iniciativa privada investindo num processo rico e produtivo de arte e cultura em Belo Horizonte, numa forma mais cooperativa, num caminho muito profícuo”, enfatiza.

Fontes:
Baracho Júnior – advogado especialista em Direito Constitucional, membro da OAB.
Contato: (31) 3261-7312 / 3279-7760

Maria Helena Cunha – mestre em Educação pela UFMG, sócio-diretora da DUO – Informação e Cultura, gestora do Museu de Artes e Ofícios e da Rede Telemig Celular de Arte e Cidadania.
Contato: (31) 3297-8242
e-mail: [email protected]

Mauricio Campomori – diretor de ação cultural da UFMG
Contato: (31) 3499-4064

Favela é Isso Aí
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