Pontos de Cultura: um novo passo rumo à descentralização do incentivo

O Ministério da Cultura abriu um novo canal ao financiar, de forma direta, projetos já existentes no interior dos estados e das grandes cidades. O ainda piloto Programa Cultura Viva, no qual estão inseridos os Pontos de Cultura, apesar das dificuldades iniciais, tem sido avaliado de forma positiva pelos que estão envolvidos no processo. “O Programa Cultura Viva nasceu para o interior, para a periferia, para os locais que necessitam. Este é um incentivo que antes não existia. Até então não havia nenhum incentivo do governo”, diz Rachel Cristina de Oliveira, uma das coordenadoras do Ponto de Cultura em Minas Gerais. Para o Ministério, é capaz de se transformar em um Ponto de Cultura a entidade que representa as manifestações culturais e sociais e que registra a história de uma comunidade.

O Ponto de Cultura é uma das cinco ações do Programa Cultura Viva, criado em 2004, com mais quatro iniciativas: Cultura Digital, Agente Cultura Viva, Escola Viva e Griô. Através dos Pontos de Cultura, as entidades recebem uma verba no valor de R$ 185.000,00, divididos em seis parcelas semestrais. Podem ser contempladas, de acordo com cada edital, instituições governamentais e não governamentais. Após a aprovação no edital, os Pontos de Cultura podem ser conveniados, são aqueles com verba garantida, ou habilitados, os que têm que aguardar o financiamento.

A iniciativa tem como princípio básico incentivar atividades culturais que estão fora do eixo de financiamento, ainda hoje, na opinião dos entrevistados, um tanto restrito ao Rio de Janeiro e a São Paulo. “O objetivo do programa, quando foi criado em 2004, era de revitalizar pontos de atividades no interior do Brasil, pontos já existentes. A grande importância do projeto é que ele não inventa a roda de novo”, completa Rachel.

Daniel Perini, coordenador da ONG Contato – Centro de Referência da Juventude – concorda com a responsável pelo programa em Minas, ao avaliar a iniciativa como um passo importante na relação do governo federal com entidades e grupos culturais. “Do ponto de vista de política cultural é uma iniciativa muito feliz porque permitiu viabilizações que não teriam um financiamento tão expressivo e de forma tão rápida. Se uma ONG pequena aprova um projeto em lei de incentivo, até ele captar o recurso, o processo é muito complicado”, avalia.

O Programa teve início em 2004, quando foi lançado o primeiro edital para os Pontos de Cultura e, desde então, já foram realizadas quatro seleções, com o resultado de 485 Pontos de Cultura conveniados e mais 80 selecionados, aguardando convênio. Os Pontos de Cultura estão em todos os Estados do país, no Distrito Federal, e em três países, três nos Estados Unidos, um na França e um na Alemanha. Em Minas, foram selecionados 53 projetos e 43 deles estão conveniados. Existe ainda a categoria dos habilitados, aqueles grupos que estão na fila de espera. O Ministério da Cultura, para não gerar expectativas, não informa o número e nem os nomes dos projetos que estão aguardando. O Grupo Cultural NUC, do Alto Vera Cruz, comunidade localizada na região leste de Belo Horizonte, é um dos membros da fila.

O Grupo Cultural NUC foi habilitado no final de 2005 e, embora sem posicionamento do Ministério, os integrantes acreditam que entre fevereiro e março de 2007 tornem-se conveniados. A expectativa tem como base o número de projetos conveniados no mesmo período em 2006. O projeto enviado pela equipe está orçado em 190 mil reais e o objetivo é ampliar a proposta, já em funcionamento, de oferecer formação na área cultural para os jovens de vilas e favelas de BH.

No grupo dos conveniados existem projetos em diversas etapas, desde os que já receberam duas ou três parcelas e já estão prestando contas, até os que ainda estão recebendo a primeira remessa do financiamento. A ONG Contato foi aprovada no primeiro edital, em 2004, e já está utilizando a verba, que deve ser toda aplicada durante dois anos e meio. O projeto aprovado como Ponto de Cultura na entidade é O Cine Aberto, um espaço destinado ao fomento de produções audiovisuais e a socialização da juventude.

Com a verba recebida, até então, a ONG conseguiu construir o espaço do cinema, que ainda necessita de alguns detalhes para entrar em funcionamento. A sala deve ser inaugurada ainda na primeira quinzena de dezembro.

As dificuldades de uma nova relação

Apesar das vantagens listadas pelas entidades e pelo próprio Ministério, o Programa Cultura Viva ainda enfrenta as dificuldades de quem estabelece uma nova relação. Enquanto o Ministério registrou atraso na entrega das bolsas do Agente Cultura Viva (ação que pode funcionar dentro dos Pontos de Cultura) e dificuldade no repasse dos kits multimídia, as entidades, principalmente as não governamentais, sofrem com a prestação de contas. “Este programa é super novo para no Ministério da Cultura, é um programa que a gente vê como ele é no decorrer”, diz Rachel Cristina de Oliveira.

Uma dificuldade apontada por Francislei Henrique, do Grupo Cultural NUC, e confirmada pela regional mineira do Ministério, é a dificuldade dos grupos em lidarem com a documentação exigida no edital. “Um dos principais problemas é que muitas das instituições não estão atentas com a parte de documentação. Várias perderam o convênio imediato por que não estavam com documentação em dia”, explica Francislei.

Na questão da bolsa, assim como na prestação de contas, tanto para um lado quanto para o outro o entrave é burocrático. Na opinião de Daniel Perini, existe uma dificuldade do próprio governo em lidar diretamente com as instituições. “Em meu o ponto de vista essa iniciativa foi muito feliz em contemplar diretamente as entidades, mas bateu de frente com o sistema burocrático, que é muito rígido. Tem o problema de viabilizar o funcionamento do recurso, por causa destas questões burocráticas. Tem muita coisa a ser melhorada. O problema das bolsas já foi sanado, mas ele reflete um pouco a dimensão da participação, de como o estado pode incluir pessoas. A gente aprendeu a pagar empreiteiras, pagar povo a gente não sabe”, reflete.

Neste final de semana, os 33 dos pontos de cultura conveniados em Minas, se reuniram para avaliar o funcionamento do programa até então. O evento teve a participação do Secretário de Programas e Projetos Culturais do Ministério da Cultura, Célio Turino, ao qual foi entregue o documento com o resultado da reunião.

A avaliação dos conveniados
O documento que foi entregue ao Secretário de Programas e Projetos Culturais do Ministério da Cultura cobrou agilidade do governo no repasse de verbas e na entrega de kits multimídia para alguns projetos já conveniados. Os conveniados também reivindicaram a posse do Conselho Nacional de Política Cultural e a criação de um conselho específico para o Programa Cultura Viva. As entidades reforçaram a importância da atuação do Programa no estado, através dos Pontos de Cultura.

De acordo com Daniel Perini, Célio Turino, após receber o documento, respondeu algumas questões abordadas na carta, ressaltando que o Ministério cumpriria com as responsabilidades rezadas pelo programa e que as dificuldades são decorrência da fase inicial do programa, que cresceu rapidamente. Segundo o coordenador da Contato, as entidades ficaram satisfeitas com o posicionamento do Ministério, que também falou sobre a criação do conselho do Cultura Viva e sobre a expectativa de ampliar ainda mais o programa, que deve ter edital lançado no próximo ano, mais ainda sem data prevista. Segundo Perini, Turino falou sobre a criação de um fórum de entidades do Ponto de Cultura.

Superando as adversidades

Para além da superação que deu início ao programa, que foi descentralizar a destinação de recursos, a tentativa do Ministério e dos grupos conveniados é também transpor outras dificuldades, inclusive internas. Hoje, dentre os 43 conveniados em Minas existem projetos em diferentes fases. Apesar das diferenças e mesmo discordâncias entre os grupos, para Daniel Perini o mais importante é manter os pontos e o programa vivos. “Estamos em um momento de não jogar oportunidades fora, estamos em um momento de transição, não sabemos quem vai ser o ministro, temos que criticar, discutir, mas não podemos jogar tudo fora”, explica.

O representante do Grupo Cultural NUC também avalia como positiva a iniciativa do Ministério, no sentido de gerar novas oportunidades. “A política cultural no Brasil não pode ficar restrita apenas a leis de incentivo, como estavam até a chegada de Lula ao poder. Havia uma discussão de que apenas o eixo rio SP captava na Lei Rouanet, outras cidades e principalmente o interior não entravam na rota. Iniciativas como o ponto de cultura, contemplam quem até então estava excluído, faz valer o direito todo cidadão de ter acesso à cultura”, avalia.

Para o Ministério da Cultura, a diversidade de etapas promove o entrosamento e a ajuda mútua. “A gente vê diferença nas preocupações, mas os pontos que passaram pelos primeiros editais ajudam os novos conveniados. Existe uma rede entre os pontos, que se comunicam independente do Ministério da Cultura, está havendo uma troca”, avalia Raquel. “A proposta geral do Ponto de Cultura é positiva porque ela tira da invisibilidade boas propostas que podem ser concretizadas. Ele coloca em evidência alguns trabalhos e faz com que eles dialoguem”, afirma Francislei Henrique, do Grupo NUC.

Uma outra dificuldade apontada pelo Ministério em Minas é de comunicação com os pontos no interior do estado. “Ainda existe uma dificuldade de comunicação com pontos situados no interior. Muitas vezes, eles não lêem e-mails todos dias, nós temos que ligar, enviar cartas, etc”, afirma.

Apesar de alguns percalços, o estado é referência na implementação dos pontos. “Minas é sempre elogiada pela sua organização. Daqui saem muitas experiências piloto que servem como parâmetro para outras fontes do Brasil. Por exemplo, este 2º Encontro dos Pontos de Cultura, que tem como objetivo integrar os pontos com os empreendedores de economia popular solidária, é uma inovação”, ressalta Raquel. De acordo com Daniel Perini, o encontro entre os conveniados é uma oportunidade de reunir diversas avaliações.

Uma rede ampliada
Um dos grandes desejos da coordenação do Ponto de Cultura em Minas é fazer funcionar uma rede de contatos que vá além dos conveniados. A idéia, de acordo com Rachel Oliveira, é dialogar também com entidades e grupos que não tenham sido contemplados pelo recurso. “O ponto tem que funcionar como um multiplicador. Nós não podemos trazer todas as iniciativas, mas o programa tem como ação o relacionamento com outras entidades que não são pontos. Uma das funções do programa é atingir, de forma indireta, as entidades que não foram integradas pelo edital. Os conveniados discutem isto”, relata a coordenadora.

FONTES
Francislei Henrique – coordenador do Grupo Cultural NUC – Negros da Unidade Consciente
Contato: 31 3468-2245

Rachel Cristina de Oliveira – coordenação dos Pontos de Cultura em Minas Gerais
Contato: 31 3224-6785

Daniel Perini – coordenação da ONG Contato – Centro de Referência da Juventude
Contato: 31 3281-5326

Informações:
Edilene Lopes – Jornalista responsável – 9995-80-28
Luciana Matsushita – 3282-3816