Coletivos de arte: uma alternativa para vencer as dificuldades

As dificuldades cotidianas, vivenciadas pelos artistas, têm impulsionado, cada vez mais, o surgimento de coletivos de arte. Estes agrupamentos de grupos e artistas-solo listam objetivos variados, mas comumente surgem pelo mesmo motivo: a vontade e a necessidade de sanar dificuldades comuns. Esta é a avaliação de José de Oliveira Júnior, diretor de projetos e apoio ao trabalhador associado do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (Sated-MG). “Os coletivos são tentativas de solucionar coletivamente boa parte dos problemas que a classe artística encontra, seja na música, na dança… Muitas vezes, quando as pessoas se reúnem para essas experiências, elas nem sabem que caminho tomar, só sabem que juntas elas podem mais que sozinhas”, argumenta.

A avaliação de José Júnior aponta para uma máxima que reflete claramente as motivações que levam à criação de um coletivo: a velha história de que “a união faz a força”. Embora exista um lema que reflita a realidade que leva à formação desses coletivos, é possível identificar perfis diferenciados. Alguns se debruçam sobre a discussão do fazer artístico, outros sobre abertura de novos espaços de visibilidade e existem ainda aqueles que têm um caráter de discussão política.

Na periferia de Belo Horizonte, por exemplo, podemos apontar diversos coletivos que surgiram das demandas de abrir novos canais para expressão artística, de garantir formação para os artistas e de fortalecer a cultura local. Um dos casos de destaque é o Criarte – Comunidade Reivindicando e Interagindo com a Arte, coletivo surgido em 2002, no Aglomerado da Serra, em Belo Horizonte. A idéia de reunir os grupos da comunidade nasceu após a realização de uma oficina de um curso de gestão e produção cultural realizado no Espaço Criança Esperança, dentro da comunidade.

O Criarte surgiu com o objetivo de promover a integração entre os grupos locais e dar visibilidade aos artistas da cena. O primeiro grande projeto do grupo foi o da feira cultural do Aglomerado da Serra que foi elaborado ainda durante o curso que os artistas fizeram. Durante a formação, além de poder elaborar projetos práticos, como os de eventos para dar visibilidade aos artistas, o grupo também discutia políticas públicas na área cultural, o que ainda hoje é um dos temas centrais do coletivo que se consolidou. “O principal papel do Criarte é discutir políticas públicas culturais com a proposta de dar visibilidade e unificação aos artistas”, diz Jansey Valdez de Lima, que é membro das bandas Anjos de Metal e Navalha, e também integrante do Criarte. “Antes fazíamos ações isoladas, mas decidimos nos unir em um coletivo através do qual podemos deliberar nossas ações de forma organizada, trocar informações, idéias, oportunidades”, avalia.

Atualmente, o Criarte conta 40 integrantes na ativa em diversas áreas da arte. Para identificar os grupos existentes na comunidade e descobrir suas demandas, o coletivo fez um trabalho de mapeamento e cadastro. A pesquisa apontou que uma das principais carências dos artistas é falta de espaço físico para produção e ensaios.

Na região leste de Belo Horizonte, a Aliança Cultural Taquaril surgiu com o objetivo de promover a cultural local e o intercâmbio entre os artistas da própria comunidade. “A idéia surgiu através da quantidade de grupos que tinha no Taquaril e que estavam trabalhando separadamente. Eles se reuniram para realizar atividades em comum e ter força para realizar shows oficinas”, conta Maurício Barbosa, coordenador da Aliança Cultural Taquaril. O coletivo se reúne a cada 15 dias e realiza, todo 2º sábado do mês, o “Arte do Morro”, evento na própria comunidade com apresentações de artistas integrantes e não integrantes da Aliança e também de outras regiões da cidade.

Meio como uma tradição nos grandes aglomerados, os artistas do Morro do Papagaio, na região Centro-sul da capital também se uniram para sanar dificuldades, mas impulsionados por uma situação peculiar. De acordo o coordenador da associação, Cristiano Silva, o coletivo surgiu em 2001, depois do assassinato de um tenente durante uma operação no Morro. Segundo Cristiano, a partir daí, durante determinado período, as ações da polícia foram intensificadas e alguns policiais começaram a abordar a população sem critérios e de forma arbitrária. “Depois que eu vi um artista com um violão na mão sendo abordado e apanhando resolvi propor a união”, conta Cristiano Silva.

Segundo Cristiano, a associação surgiu “para ter o espírito de uma produtora”, mas acabou tomando outros rumos, sempre dentro da idéia de dar visibilidade para os artistas da comunidade também fora da periferia. A idéia, segundo Cristiano, era mostrar a face artística da comunidade. Ele conta que, em decorrência da criação da associação, os artistas do aglomerado conseguiram abrir um novo espaço de diálogo com a sociedade, inclusive, através da imprensa. A associação que, de acordo com Cristiano, já teve 76 associados, hoje está praticamente sem atuação na área cultural. “O nosso grande erro foi, com o passar do tempo, passar a fazer o papel de associação comunitária. Nosso grande objetivo é voltar a atuar na área artística, investindo em formação”.

No cenário da capital, além dos coletivos regionais, existem os que não são pautados pela questão geográfica, mas por área de atuação dentro da arte, como é o caso do Hip Hop Chama. O coletivo nasceu em 2000, quando realizava grandes encontros para discussões do Movimento Hip Hop. Depois, o grupo ficou disperso por um intervalo de tempo e em 2004 retomou as atividades com um terceiro grande encontro e com planejamento de atuação a curto, médio e longo prazo. O coletivo reúne grupos de toda a cidade e também da região metropolitana de Belo Horizonte.

De acordo com Áurea Carolina de Freitas, rapper do grupo Dejavú e membro do Coletivo Hip Hop Chama, o coletivo é de arte, mas tem foco na ação política, na mobilização juvenil, na intervenção comunitária e na formação de jovens. “A discussão política não é mais forte que a do fazer artístico, mas estamos investindo em uma frente política para partir para a estratégia de uma cena cultural mais fortalecida”, diz.

Os perfis dos coletivos

Uma análise da diversidade de objetivos e atuação dos coletivos aponta para uma reflexão sobre a discussão das questões afins entre os grupos e sobre a relação dos integrantes com seu próprio trabalho. “Normalmente, é a mesma realidade social que envolve essas pessoas, ou existem problemas semelhantes ou visão de mundo semelhante. Nem sempre isso significa aperfeiçoamento artístico, para muitos deles isso vai acontecer a médio ou a longo prazo”, constata José Júnior. “Os perfis diferenciados tem a ver com a peculiaridade de cada um dos artistas. Os artistas plásticos têm um trabalho mais solitário, o que dá uma possibilidade maior de discutir o fazer artístico, de refletir sobre o trabalho, sobre o individual. O pessoal do Hip Hop, normalmente, faz tudo mais junto”, completa.

A fala de José Júnior pode ilustrar a fase atual do Hip Hop Chama, por exemplo, onde pela própria constituição do Movimento Hip Hop, a prioridade é estabelecer uma base política sólida, o que não significa que o fazer artístico seja deixado de lado. Em relação à integração, à busca de soluções, proposta através da decisão de atuar em forma de coletivo, José Júnior avalia que é uma opção positiva e deve ser respeitada. “O mais importante é perceber que tem várias formas de atuar artisticamente ou culturalmente. Essas formas têm que ser fomentadas. Não que trabalhar com o coletivo seria melhor que trabalhar com o solitário, mas é uma opção. A gente precisa de um pouco mais de exercício de diversidade na sociedade. Nosso discurso é fácil, mas nós temos dificuldades de aceitar escolhas diferentes”, conclui.

O grande gargalo

De acordo com Lery Faria, músico, ator e diretor de teatro, há 30 anos em Belo Horizonte, há na cidade uma carência de coletivos voltados para a discussão do fazer artístico propriamente dito. O que Lery pondera é que apenas a união de grupos e a formação de coletivos não é capaz de garantir produtos para competirem nos variados e concorridos mercados da arte. “A união não garante uma qualidade artística. Pode ocorrer de a qualidade do produto artístico não permitir que esses grupos, mesmo compondo os coletivos, consigam viver da arte”, avalia.

Lery Faria acredita que é necessário que os coletivos reflitam sobre a condição dos grupos, sobre os objetivos traçados e sobre a própria opção de viver da arte. “Tem muita gente fazendo teatro, por exemplo, há tempo e que depois de 15 anos ainda não consegue viver da arte”, constata. A ponderações do artista ultrapassam a avaliação de reflexões que ele considera imprescindíveis dentro dos coletivos e alcança a raiz da formação de muitos grupos. Na avaliação dele, quando existe um incentivo à arte, como, por exemplo na atuação dos projetos sociais, é preciso questionar a permanência da formação, a perspectiva de trabalho e as possibilidades de manutenção futura dos grupos apoiados no mercado.

As conquistas e os projetos

No quadro de conquistas, o Criarte, que também integra a Rede Telemig Celular de Arte e Cidadania, reúne aprovações do Projeto Redemuin nas leis municipal e estadual de incentivo. Na hora de avaliar o trajeto, Jansey é ponderado, mas admite que existem motivos para comemorar. “O Criarte tem pouco tempo de existência e a gente sabe que o trabalho na área da cultura é lento em relação a resultados concretos. O certo é que esse trabalho está potencializando o perfil de cada grupo e provocando a reflexão sobre a cultura”, avalia.

O Hip Hop Chama também faz um balanço positivo do trabalho e aponta as perspectivas para o novo ano. No ano passado, o coletivo aprovou importantes projetos de formação política para os grupos em temas como gênero, sexualidade e redução de danos. Neste ano, teve atuação destacada no Hip Hop In Concert, festival promovido pela Prefeitura de Belo Horizonte. O principal objetivo do grupo é a conquista da “Casa do Hip Hop, espaço pensando para o trabalho da qualificação artística, para a realização de ensaios, shows…”

FONTES:

Áurea Carolina de Freitas – rapper do grupo Dejavú e membro do Coletivo Hip Hop Chama
Telefone: 3213-8299
Cristiano Silva – coordenador da Associação de Artistas do Morro do Papagaio
Telefone: 3285-4772
Jansey Valdez de Lima – membro das bandas Anjos de Metal e Navalha – integrante do Criarte (Contato com Reinaldo 9924-0488)
José de Oliveira Júnior – diretor de projetos e apoio ao trabalhador associado do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (SATED-MG)
Telefone: 3224– 4743
Lery Faria Júnior – músico, ator e diretor de teatro
Telefone: 9814-6050
Maurício Barbosa – coordenador da Aliança Cultural Taquaril
Telefone: 3483-8803

Informações:
Edilene Lopes – jornalista responsável – 9995-8028
Luciana Matsushita – 3282-3816