Falta representatividade da classe artística nas casas do Legislativo

A garantia da cultura como um direito é uma das grandes dificuldades enfrentadas pela população em geral, e pela classe artística, em particular. A conquista de políticas específicas para a categoria é outro gargalo para o exercício pleno das profissões e o desenho de um lugar formal e legítimo para os artistas na sociedade. A falta de representatividade da cultura e, especificamente, da arte nas casas do legislativo é um dos principais responsáveis pelos problemas elencados acima.

Na avaliação de José de Oliveira Júnior, representante do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (Sated-MG), os poucos parlamentares que propõe projetos na área da cultura não são profissionais da arte e sim pessoas de outras áreas, o que acaba restringindo o poder efetivo das ações. “Falando de representatividade estritamente dentro do conceito, não temos alguém da área no legislativo. Aqui na assembléia, por exemplo, não temos ninguém da área da cultura. Temos profissionais que, muitas vezes, têm dificuldade em saber quais são os problemas do artista. Pensando em cidades maiores no estado, apenas no Vale do Jequitinhonha e do Mucuri vemos artistas da área do artesanato participando das câmaras de suas cidades”, avalia.

A professora da PUC Minas, doutora em Antropologia Social, Sandra Tosta, acredita que eleger artistas pode ser uma saída, mas que essa situação deve ser vista com um certo cuidado. “Gilberto Gil é artista e um grande ministro, mas o lugar dos artistas é na sua própria arte”, avalia.

O mapeamento da representatividade cultural na Câmara Municipal de Belo Horizonte, na Assembléia Legislativa de Minas Gerais e na Câmara dos Deputados, aponta para um cenário de deficiências no que se refere a inserção da cultura no âmbito político. Os dois principais problemas são a falta de articulação política dos artistas e a ausência de prioridade para as pautas culturais.

De acordo com Luiz Piauhylino, deputado federal, presidente da Frente de Apoio à Cultura Popular na Câmara dos Deputados e ex-vice-presidente da casa, na hora das votações a cultura não está entre as prioridades da maioria do parlamento. “O problema é quando chega a hora de decisão e o processo de liberação cai no controle da pauta e fica na mão do colégio de líderes, que tem outros interesses. Nós temos aqui muitos problemas, um deles é o excesso de medidas provisórias, que tranca a pauta dos projetos. Os projetos aprovados são os de interesse do executivo”, revela.

Na Assembléia Legislativa de Minas Gerais, 54 projetos na área da cultura foram apresentados nesta legislatura. Grande parte das proposições é para doação de espaços para uso público cultural, em especial nas cidades do interior. Outra parcela fica concentrada em uma área entre a arte e a educação, o que inclui garantia de meia entrada em cinema e acesso facilitado a teatros. Embora em quantidade pequena, existe um bloco de propostas voltadas para a garantia de incentivos fiscais. O montante inclui projetos relacionados também à área esportiva. A Comissão de cultura é permanente e formada por 10 deputados.

Para José Júnior, a carência atual é de políticas publicas para a garantia da excelência artística. “É importante que existam ações especificas de fomento para cada uma das áreas de cunho amador e profissional. Ainda não temos fomento sólido para excelência artística. Os governos até se preocupam com questões de cultura popular, mas é necessário pensar em políticas publicas para questão profissional também” chama a atenção.

Na Câmara Municipal de BH, a avaliação de Arnaldo Godoy, vereador e ex-secretário municipal de cultura de BH é que a defesa dos interesses da classe artística ainda é pequena. “Muito pouco trabalho tem sido feito, poucos projetos com perfil cultural. As políticas para a cultura estão ainda em construção e a cultura na ação política da câmara não tem sido um ingrediente de primeira ordem”, revela. Godoy lembra ainda que em diferentes instâncias e também no executivo, a cultura não tem sido prioridade. “A cultura não entra na pauta de debates políticos”, salienta.

Hoje, o vereador relata que encontra dificuldades para a criação de um mecanismo de cultura específico na casa municipal. “Quero criar um conselho municipal de cultura na câmara, mas há resistência, acham que agride os poderes da câmara. Como existe o Sistema Nacional de Cultura é necessário ter o Conselho Municipal de Cultura”, afirma.

Na Câmara dos vereadores, assim como na dos deputados, não foi possível obter o número de propostas apresentadas no mandato atual. De toda forma, o cenário aponta que é urgente e necessária a participação popular. Arnaldo Godoy chama a atenção para a possibilidade de utilização do Orçamento Participativo para ações de cunho cultural. Ele cita a pioneira e bem sucedida iniciativa do Alto Vera Cruz, primeira comunidade a conquistar um Centro Cultural através do OP. Ele destaca também as políticas de acesso do público. Ele próprio tem projeto que isenta IPTU para cinemas fora de shoppings e prevê a meia-entrada para menores de 21 anos nas salas.

Falta mobilização e articulação política na classe artística.

Na avaliação dos parlamentares, representantes da classe artística e mesmo dos especialistas, o principal passo a ser dado rumo a garantia de políticas artístico culturais é a aproximação entre a categoria e os parlamentos. A falta de organização política é uma das barreiras a ser vencida pelos artistas, na consideração de José Júnior. “Organização é difícil em qualquer lugar e na área artística é muito peculiar, porque cada um quer resolver o seu problema e há dificuldade em trabalhar coletivamente e colaborativamente. Quando é para fazer uma reunião em que o está em discussão o recurso todo mundo vai, mas as pessoas não vão para sair com propostas concretas, elas vão para reagir a algumas coisas que não as atingiram, vão para reclamar. Quando você chama reunião para discutir políticas públicas, as pessoas não vão”, relata.

No entanto, diante desse diagnóstico, o próprio sindicato tem se mobilizado. “O Sated há quase dois anos realiza uma serie de ações trabalhando o coletivo, como o curso de gestão cultural, que acontece há três anos. O Sated cria possibilidades para a classe artística, que não tem afinidades com planejamento”, avalia.

Para Arnaldo Godoy, existe uma resistência da classe ao envolvimento político. “O dialogo é muito difícil porque os artistas acham que tem que apoiar políticos”, ele diz. Além do que, Godoy também reconhece uma dificuldade de articulação política original da categoria.

A professora Sandra Tosta detecta a falta de articulação, mas aponta avanços. “Falta articulação maior entre os vários grupos, ONGs, associações, porque isso fortalece as reivindicações. Já avançamos muito, se pensarmos como era há dez, doze anos, atrás avançou muito, mas ainda é pouco”, avalia. Ela ressalta as ONGs como essenciais no processo. “As ONGs tem sido um espaço que acolhe, abriga e fomenta a produção cultural. É também um lugar de cobrança e presença junto ao próprio legislativo para que o estado responda de uma forma adequada e suficiente”, diz.

A ausência de esforços aparece também entre os políticos
Para Sandra Tosta pesa também a falta de movimentação em torno do tema por parte dos próprios políticos. “No estado não vemos muitos esforços da própria Assembléia em articular os grupos em torno de recursos e presença no cenário artístico. O estado teria que fornecer recursos mesmo que fosse à visão preservacionista da cultura, preservar significa entender as dinâmicas sociais e culturais que estão ocorrendo. É preciso que haja políticas pra fomentar as modalidades de cultura existentes”, analisa.

Ele defende ainda uma aproximação que parta também do poder público e que, inclusive, seja proposta por ele. É preciso que o estado também fomente parcerias, que se volte para as manifestações que ainda não têm uma presença tão vigorosa quanto o grupo galpão, por exemplo. É preciso pensar na periferia, como os jovens estão se organizando”, completa a especialista.

As portas de acesso

De acordo com Arnaldo Godoy, além de explorar os recursos existentes, através do Programa Arena da Cultura, das Leis de Incentivo e do Orçamento Participativo, deve haver ainda uma aproximação das casas do Legistativo. Com uma dica simples, o vereador aponta um caminho para ser trilhado, não apenas pelos parlamentares, mas pelos profissionais da arte: usar a imaginação na busca de novas formas de relacionamento.

Darci Coelho diz que a Câmara dos Deputados é totalmente aberta e é preciso que os artistas se informem, pois eles podem, inclusive, propor projetos de lei. Em sua experiência, o deputado federal conta que a Frente de Apoio à Cultura Popular surgiu de uma demanda da população. “Em 99, em uma reunião em Pernambuco, com os movimentos populares, com um grupo de artistas, surgiu a idéia de haver uma banca de defesa a cultura popular brasileira”, relata.

Para além da legislação

Embora a atuação no legislativo esteja entre os grandes gargalos para a proteção e fomento da arte e da cultura, existem órgãos e equipamentos, muitos previstos por lei, que já estão em funcionamento e à disposição da comunidade artística. O vereador Arnaldo Godoy criou uma dessas ferramentas quando era secretário de cultura de BH. O Programa Arena da Cultura, voltado para a formação de artistas, foi e é hoje uma das grandes oportunidades de profissionalização da classe, atingindo inclusive os artistas das comunidades, segundo o Guia Cultural das Vilas e Favelas de Belo Horizonte, lançado em 2004.

Ele chama a atenção da população nesse sentido, para que haja um aproveitamento do que já foi conquistado. O mesmo vale para a utilização dos centros culturais e demais equipamentos. “A cultura popular teve um destaque muito grande no governo Lula com a secretaria. Em BH teve o Arena… E à medida que a comunidade artística for se apropriando, as coisas acontecem e o orçamento vai aumentando”

FONTES:

Arnaldo Godoy – vereador – ex-secretário de cultura de Belo Horizonte. Telefone: 3555 1165 (gabinete)
José de Oliveira Júnior – representante do Sindicato dos Artistas e Técnicos em Espetáculos de Diversões (Sated-MG). Telefone: 3224- 4743
Luiz Piauhylino – deputado federal, presidente da Frente de Apoio à Cultura Popular na Câmara dos Deputados e ex-presidente da Câmara dos Deputados. Telefone: 61 3215-5309 (gabinete)
Sandra Tosta – professora da PUC Minas e doutora em Antropologia Social. Telefone: 3319-4917/4108 (assessoria PUC Minas)
Assembléia Legislativa de Minas Gerais – assessoria de comunicação. Telefone: 2108-7715 (Rivadávia Souza)
Câmara Municipal de Belo Horizonte – assessoria de comunicação. Telefone: 3555 -1110 (Paulo Mourão)
* A foto da matéria é de uma das releituras de clássicos do modernismo, feitas pelo Projeto Arte Favela, da Associação Viva.

Informações:
Edilene Lopes – jornalista responsável – 9995-8028
Luciana Matsushita – 3282-3816