Juventude e periferia: um foco na participação política

A participação política dos jovens tem sido uma constante, tanto como exercício quanto como debate, nas academias, no terceiro setor e também em âmbito governamental. O engajamento social da juventude resulta, hoje, em conquistas consideráveis, tanto no que diz respeito à construção de políticas públicas quanto na participação em setores diversos da sociedade. Na periferia, a presença do Movimento Hip Hop e a atuação de ONGs estão estreitamente relacionadas com o despertar dos jovens para a militância.

A pesquisa “Juventude, juventudes: o que une e o que separa”, publicada em 2006 pela representação da UNESCO no Brasil, revela que 27,3% dos jovens brasileiros participam ou já participaram de alguma forma associativa, como movimentos sociais, ONGs, sindicatos, partidos políticos, grupos culturais e religiosos. Ao todo, são 13 milhões de jovens envolvidos apenas no Brasil. O estudo coordenado pelas sociólogas Mary Castro e Miriam Abramovay foi realizado em 26 estados, abrangendo cerca de 10 mil jovens de 15 a 29 anos.

Para a socióloga Mary Castro não é adequado afirmar que a participação política da juventude hoje é inexpressiva: “É relativo falar que os jovens são alienados e apáticos. Também vale ressaltar que 62,5% dos jovens afirmam que acreditam na democracia. Então o que fica da pesquisa é que o jovem não participa mais porque tem críticas ao modo de fazer política vigente e não porque seja conservador, apático ou apolítico”, avalia.

Ainda segundo a pesquisa, 32% dos jovens da classe A declaram participar de algum tipo de associação, índice este de 24,7% nas classes D e E. A pesquisadora destaca que devem ser considerados os diversos modos de participação política: “Muda o nível e o parâmetro de participação, sendo que os jovens de periferia são mais engajados no plano local, o que tem a ver com acesso ao conhecimento, condições de mobilidade e por limitações de estarem engajados na sobrevivência imediata, mas por outro lado se diversifica os tipos de participação, então é relativa tal comparação por classe ou lugar de residência. Há que de fato ter em mente que as limitações materiais impõem possibilidades de participação, mas não a tolhem completamente”, explica.

Periferia, um bom lugar pra ver o mundo

Para Áurea Carolina, conselheira do Conselho Municipal de Juventude, integrante do grupo de rap Dejavu e do coletivo Hip Hop Chama, na periferia muitas vezes as pessoas ficam desacreditadas porque as necessidades imediatas ficam em primeiro plano e a política fica de lado. “É importante que as pessoas entendam que agir politicamente exige um esforço de tempo e na periferia isso não e tão possível”, avalia.

“Em Belo Horizonte, a atuação dos jovens no campo político tem crescido e ocorre de várias maneiras”, afirma Larissa Amorim Borges, integrante dos grupos de rap Negras Ativas e Atitude de Mulher, do coletivo Hip Hop Chama e assessora da Coordenadoria da Juventude da Prefeitura de Belo Horizonte. “A participação política ocorre de maneiras diversas. Na perspectiva da periferia, as vias que têm representado uma atuação diferenciada para transformação social são os movimentos culturais, igrejas, os conselhos, associações comunitárias, ONGs, movimentos ambientalistas, o hip hop, o samba, o pagode e o rap, que proporcionam a socialização e a ocupação do espaço urbano, ampliando assim a possibilidade de discussões”, observa.

Para Larissa, estar na periferia representa uma aproximação maior dos jovens com os problemas sociais, o que desperta interesse por respostas positivas. “O lugar que você está no mundo favorece uma visão das coisas de um determinado ângulo. Os jovens da periferia estão diante dos problemas sociais e têm consciência da importância de uma transformação, ao passo que jovens de outros lugares, que já têm todos os seus direitos garantidos, muitas vezes não percebem que existem pessoas que precisam de um salário decente, moradia, saúde, informação, que são direitos básicos e não privilégios”, analisa.

A participação em âmbito governamental

O Governo Federal inovou ao colocar na pauta pública as questões relativas aos jovens, tendo com marco a criação da Secretaria Nacional da Juventude. Em Belo Horizonte, essa nova etapa de inserção mobilizou os jovens dos movimentos Hip Hop, GLBT, meio-ambiente, cultural e estudantil em torno de um objetivo: a reestruturação do Conselho Municipal da Juventude, com o objetivo de apresentar a sociedade civil e ao poder público políticas públicas para juventude, pensadas pela própria juventude.

A reestruturação do Conselho Municipal da Juventude em Belo Horizonte representa uma conquista importante para a juventude da cidade. “O conselho é um espaço de diálogo entre sociedade civil e o poder público. Reconstruir o conselho, que está atuante desde 98, agora em 2007, com um formato novo e uma gestão nova, significa reconhecer a importância da juventude para a formação da cidade, dos jovens como agentes que constroem o espaço urbano”, avalia Larissa.

Já para Áurea, a criação da Secretaria Nacional da Juventude, da Coordenadoria de Juventude de Belo Horizonte e dos Conselhos, que não são governamentais, mas são apoiados pelo poder público, representa mais uma conquista da própria juventude e menos o reconhecimento do poder público da necessidade de políticas públicas para esse segmento. “É uma conquista dos movimentos juvenis do Brasil inteiro. Participamos de vários encontros e seminários pelo país, fazendo ecoar a voz no Governo Federal. O Lula desde o programa de governo demonstrou essa preocupação com a juventude. Até FHC não existia políticas específicas para a juventude e no governo Lula os jovens têm essa possibilidade de diálogo”, defende.

Antes da eleição do conselho municipal, a Coordenadoria Municipal da juventude realizou nove Pré-conferências simultaneamente, uma em cada regional, e numa segunda etapa, realizou a Conferência Municipal da Juventude, que elegeu os membros do conselho e aprovou propostas de políticas públicas que serão trabalhadas para a Juventude a partir de 2007. Foram eleitos 25 conselheiros da sociedade civil e, entre eles, três integrantes do coletivo Hip Hop Chama: Vanessa Beco (grupo Atitude de Mulher), Bino (b.boy, grafiteiro e arte-educador) e Áurea Carolina (grupo Dejavu).

O despertar para a participação

Áurea acredita que para despertar o interesse da juventude para questões políticas é preciso trabalhar uma linguagem próxima à que utilizam no cotidiano, gerando maior entendimento e quebrando o estigma, comum entre os jovens, de que política é uma coisa enfadonha. “Se comunicar com os jovens do funk, hip hop, cultura afro, pressupõe a utilização de novas linguagens. Não dá para formatar discussões muito quadradas, porque é chato, ineficaz e não dá impacto. O Hip Hop Chama, por exemplo, tem uma proposta de atuar politicamente na cidade e temos que, internamente, trabalhar uma linguagem adequada para atingir a todos que estão envolvidos. Temos uma preocupação de influenciar institucionalmente, nas ações do poder público e que as expressões da sociedade civil possam impactar e até mesmo informalmente. Nas relações cotidianas e letras de música podemos chamar mais parceiros para traçar ações coletivas. Queremos que a política não seja um apêndice, mas que esteja presente em tudo. O que pode provocar a vontade de ir pra frente é perceber que a política está no cotidiano e que se não fazemos alguém vai fazer por nós”, descreve Áurea.

A analogia entre a participação política dos jovens, atualmente, com a de anos anteriores no Brasil é freqüente quando o tema é colocado em pauta. A pesquisa “Juventude e juventudes: o que une e o que separa” não aborda esta comparação, mas, por vivência, como militante, nos anos de chumbo, Mary Castro lança um olhar sobre a participação política da juventude de ontem e de hoje. “Diria que são duas épocas, dois cenários. Eram aqueles tempos, tempos de utopia em longo prazo, tínhamos horizonte de mudança, de mudar o mundo, cantávamos com John Lennon ‘Imagine um mundo de paz’, com Che, a reunião da ternura e da luta pelo socialismo. Para alguns éramos a geração que ia mudar o mundo em ‘festa, trabalho e pão’, e a revolução para muitos era uma festa, uma construção. Mas também éramos poucos, apenas com mais mídia, mais esperanças, mais exemplos, muitos imaginados e fazíamos muito barulho, o que nos multiplicava. Não enfrentávamos um cenário de neo-liberalismo com problemas de desemprego e poucas alternativas para sobrevivência, em particular se de classe média. Política, luta e festa se combinavam, hoje se diversificam”, afirma Mary.

Larissa Borges concorda com a afirmação de que a participação política da juventude hoje é diversificada. “Acredito que hoje a relação do jovem com a política mudou, muita gente compara com os anos 60 e 70, mas é outro contexto. Hoje há novas formas de participação, através de grupos culturais, organizações das comunidades. Para além de partidos políticos, os jovens têm representatividade nos conselhos e procuram saber a realidade em que vivem outros jovens no país e na cidade. A discussão estadual gira em torno do Plano Nacional de Juventude, muitas pessoas participaram das reuniões do Plano, mas essa mobilização ainda está em construção e vai demandar muito esforço”.

Para Áurea Carolina, as lutas políticas das “juventudes” hoje são diversificadas e acompanham as demandas percebidas por cada segmento representativo: ambientalistas, jovens portadores de necessidades especiais, GLBT, entre vários. Há grandes demandas em áreas como educação, ensino médio, erradicação do analfabetismo, passe livre, meio passe, pelo direito de transitar pela cidade e conhecer o que ela tem a oferecer, trabalho, primeiro emprego, conseguir trabalhar com arte. Os grupos culturais demandam muito o reconhecimento como profissão e com isso a obtenção de renda. A promoção de igualdade racial, de gênero e o direito à livre orientação sexual também figuram entre as principais lutas políticas da juventude contemporânea. “O Conselho Municipal tem uma luta de promoção de igualdade racial. Há vários conselheiros que são negros e moradores de vilas e favelas. Isso é importante porque demonstra que essa juventude tem um projeto político e uma proposta de sociedade que está tentando colocar em prática”, afirma Larissa.

A ausência de um órgão que unifique e organize os movimentos juvenis de todos os estados do Brasil em torno de objetivos comuns, na opinião de Áurea, representa uma dificuldade a ser superada. “Eu sinto que estamos num momento de suspensão. Em 2005 foi criada a Secretaria Nacional de Juventude, conselhos, vários órgãos pipocando pelo país. No entanto não há um órgão que mobilize a juventude como um todo. As discussões são muito fragmentadas diante do poder público. Vários grupos fragmentados estão na cena reivindicando e tem ressonância para os órgãos governamentais, mas precisa haver uma união de idéias para conquistar políticas eficazes”, sinaliza.

Fontes:
Mary Garcia Castro – socióloga, coordenadora da pesquisa “Juventude e juventudes: o que une e o que separa”, da UNESCO.
Contato: [email protected]

Larissa Amorim Borges – integrante dos grupos de rap Negras Ativas e Atitude de Mulher, militante do PT e do coletivo Hip Hop Chama. Assessora da Juventude na Coordenadoria de Juventude de Belo Horizonte.
Contato: 31 9805-1059

Áurea Carolina – Conselheira Municipal da Juventude, integrante do coletivo Hip Hop Chama e do grupo de rap Dejavu.
Contato: 31 3213-8299 / 31 9643-7974

Coordenadoria da Juventude de Belo Horizonte – Assessoria de Comunicação, falar com Beatriz Souza.
Contato: 31 3227-9795

* Foto – murais da ONG Contato – Centro de Referência da Juventude