Mercado fonográfico: como garantir o acesso público?

Fazer música, aprender a tocar um instrumento, montar uma banda, ensaiar, deixar tudo afinado e pronto para ser ouvido não é uma tarefa fácil. A dificuldade se acentua quando o músico pretende registrar o resultado de tanto esforço, mas não tem meios financeiros para isso.

Uma breve pesquisa mostra o tamanho do desafio: os estúdios cobram preços que variam, em média, de 32 a 125 reais por hora de uso. Imagine-se então o tempo necessário para fazer gravação, mixagem e masterização, de uma ou de várias faixas. Isso sem contar o pagamento de cachês dos músicos convidados, participações especiais, arte gráfica e prensagem. Avalia-se, no mercado, que um CD precise de, aproximadamente, dez mil reais para ficar pronto. E muitos artistas, não possuindo este montante, ficam travados na evolução de seus trabalhos.

Um dos grandes desafios dos músicos é encontrar um estúdio que possibilite gravação de áudio de qualidade por um preço acessível. Tendo um material de acordo com as exigências do mercado fonográfico, as chances da sua divulgação aumentam, assim como encontrar um bom investidor para o produto, seja junto a grandes gravadoras, seja junto ao crescente mercado independente. Uma nova opção tem sido apresentar os projetos de gravação de CDs às leis de incentivo à cultura, o que significa antes ter que passar por mais dois funis: o crivo e aprovação tanto do poder público quanto da iniciativa privada.

Atuação independente: a alternativa mais cotada

Flávio de Abreu, o Renegado, vocalista do grupo de rap N.U.C. – Negros da Unidade Consciente, do Alto Vera Cruz, e também músico de carreira solo, relata que o primeiro CD do grupo, Manifesto Primeiro Passo, foi gravado devido à captação de recursos viabilizada pelas leis de incentivo à cultura. O segundo CD – a coletânea do N.U.C.- e o seu próprio foram produzidos, grande parte, em sua casa, incluindo a mixagem e a masterização. Deste modo, o N.U.C. e o próprio Renegado optaram pela forma independente – “artista independente, som independente” -, como ele disse. Essa forma de gravação possibilita “autonomia de fazer o trabalho”, segundo Renegado. De acordo com ele, com gravadoras independentes ou multinacionais, sempre há, de diferentes formas, uma cobrança, seja ela na vendagem ou na produção do CD. No caso das gravadoras multinacionais, há uma preferência pelos artistas do mainstream (expressão da língua inglesa que se entende por: “dentro da mídia”). Elas dão preferência para contratação de músicos que rendem muito dinheiro, devido ao alto investimento no artista, seja na produção do CD, na publicidade e/ou na distribuição.

Novas Mídias

Os artistas também podem empregar formas alternativas de produção e divulgação de seus trabalhos. Com o desenvolvimento tecnológico e a internet, tornou-se prática gravar músicas em qualidade aceitável no seu próprio computador, com a utilização de programas apropriados, e divulgá-las na rede, através de sites como o My Space e genéricos, além do site de cada banda. O grupo de rap Ponta Pronta fez várias faixas, algumas de produção caseira, e as divulga no My Space e no Trama Virtual. Com algum tempo, as músicas ficaram conhecidas entre o público, eles passaram a se apresentar e ganhar notoriedade. Até hoje, a banda não possui CD gravado. O produtor do Ponta Pronta, Pedro Henrique Souto Fontenelli, o Beata, proprietário do Estúdio Refinaria, acha que “ter uma boa idéia na música é melhor que ter bons equipamentos para gravá-la”. Portanto, na opinião dele, a qualidade do som gravado depende mais da musicalidade, da poesia da letra, da sua temática e da sua originalidade, do que da qualidade do áudio em si. Renegado, também rapper, diz que o som caseiro ajuda na identidade “a música feita em casa fica diferente, com o eco da parede, o grito da vizinha e o latido do cachorro. Isso ajuda na identidade do rap independente”.

A divulgação na internet causou um grande impacto em grupos segmentados. Quem gosta de um estilo específico de som procura as músicas nestes sites, que as disponibilizam e fazem download em formato mp3. Isso não garante direitos autorais para o autor, mas divulga o seu trabalho por todo o mundo. Beata considera essa expansão da música uma democratização, porque quem quiser pode colocar seu trabalho no circuito virtual. “Não quer dizer que sua música vai tocar na rádio, mas na sua casa você pode fazer um CD que vai estourar no mundo”, diz o produtor musical.

O valor da produção

Nesse processo, o conhecimento sobre as técnicas de produção é uma etapa penosa. Renegado afirma que, no caso do N.U.C., “foi complicado aprender as técnicas, porque é necessário muito conhecimento de produção”. Já para Jansen Valdez de Lima, vocalista da banda de hard rock Anjos de Metal, do Aglomerado da Serra, “a principal dificuldade foi conseguir os recursos e estrutura. Hoje os computadores e seus programas são mais acessíveis”, relata.

Mais que uma gravação perfeita, a produção é uma etapa essencial. Na opinião de César Maurício, ex-vocalista da banda Virna Lisi e do Radar Tantã, e também membro do Favela é Isso Aí, a falta de qualidade de áudio pode prejudicar muito um trabalho, mas não é capaz de invalidar a qualidade artística. O mesmo vale para a produção, mas esta, sem dúvida, pode valorizar de forma extrema uma obra. “A grande maioria das figuras do mercado e da periferia não têm acesso à produção, ao cara que está de fora, à pessoa que vai ajudar no repertório, na temática, alguém que ajude a fazer com que o trabalho não seja apenas mais um CD com músicas. Alguém com um cuidado com o produto final, com as letras, com o som”, constata César. “O resultado final, quando há condições, é certamente muito melhor”, completa.

A relação com as gravadoras

A extinta banda Virna Lisi já fez contrato com algumas gravadoras, entre elas a Tinitus, no início da carreia, a Polygram e a multinacional Universal. César Maurício compara o mercado da música ao do futebol: “Se o atacante faz 30 gols no campeonato, ele é contratado por um grande time, se não, é emprestado para um time do interior”. Portanto, ou o artista vende muitos CDs, ou as grandes gravadoras cancelam o contrato. Sendo assim, para aliviar um pouco a cobrança da vendagem, existe no Brasil um crescente cenário de gravadoras ou selos independentes. O que os diferencia de uma multinacional são a menor cobrança com a vendagem e oferta de maior liberdade de criação para os artistas. “As gravadoras independentes não contratam artistas que vendem 100 CDs, porque isso eles podem fazer sozinhos, porém elas são mais flexíveis e no final você fica amigo do dono”, diz, com uma ponta de humor, César Maurício.

Outra alternativa

Na capital mineira, com o objetivo de dar suporte aos artistas, a associação Favela é Isso Aí monta, ainda neste ano, um estúdio comunitário, que permitirá aos artistas das vilas e favelas gravar seus discos a baixo custo, com qualidade e apoio técnico. O estúdio está sendo viabilizado com recursos da Lei Municipal de Incentivo à Cultura e também tem captação autorizada via Lei Rouanet.

As pesquisas realizadas pela entidade, iniciadas com a elaboração do Guia Cultural das Vilas e Favelas de Belo Horizonte, cadastraram um enorme contingente de músicos das comunidades de BH que não possuem CDs gravados e tem dificuldades de acesso aos meios de produção. César diz que o objetivo do projeto é garantir mais que um local para gravação das músicas. “A idéia é que o estúdio seja um lugar que não sirva apenas para gravar CD, mas um laboratório, onde se possa aprender a operar o equipamento de gravação, adquirir conhecimento sobre música, pesquisar vários tipos de sons e fazer cruzamentos de artista para possibilitar a troca de informação”, completa.

Como essa iniciativa, há várias em andamento para garantir o acesso público dos artistas das periferias aos meios de produção, seja na música, na dança, no teatro ou nas outras expressões culturais independentes. O importante é buscar a informação e fazer parcerias, ampliando assim as chances de mostrar seu trabalho com qualidade, a um número maior de pessoas.

DICAS FAVELA – Como gravar um CD

• O primeiro passo, e talvez o mais trabalhoso, é ensaiar intensamente para que na hora da gravação tudo esteja preparado. Com isso, serão menos horas de gravação no estúdio.
• Uma boa dica é arranjar um produtor musical para indicar quais músicas devem ser colocadas no CD e quais devem ser aprimoradas. De acordo com César Maurício, “os artistas são meio doidos, por isso é bom ter uma assessoria. Muitas vezes colocam todas as músicas que eles criaram em um CD e o deixam sobrecarregado”.
• Gravação: os instrumentos são gravados separadamente, e cada um gasta, em média, 30 a 60 minutos para ser gravado, o que dá uma média de 8 horas de gravação para cada faixa.
• Mixagem: é o momento de destacar o que está melhor na música e conter o que não ficou tão bom. Nesse processo ocorre a equalização do som (graves, médios e agudos), o equilíbrio dos volumes de cada instrumento e da voz e da aplicação dos efeitos: reverb, delay, chorus etc. É necessário que haja uma boa mixagem para não comprometer as outras etapas de gravação.
• Masterização: o termo vem da expressão “passar para o master”, a fita matriz que contém o material pronto. Hoje é possível masterizar direto no CD.
• Arte gráfica: para fazer o encarte do CD, você pode contratar um design gráfico, um artista que tenha experiência, ou faça você mesmo.
• Prensagem: depende da quantidade de cópias, das cores do silk do CD, quantidade de dobras no encarte e quantidade de cores. Na hora de fazer o orçamento da prensagem, verifique se o preço inclui itens como capa, encarte colorido, caixa e lacre plástico.

Fontes para consulta
Renegado – vocalista do grupo NUC – Negros da Unidade Consciente e cantor solo
Telefone: (31) 3468-2245 Falar com Luzia
César Maurício – ex-vocalista dos grupos Virna lisi e Radar Tantã e membro do Favela é Isso Aí
Telefone: (31) 3225-5483
Jansen Valdez de Lima – músico da banda Anjos de Metal e membro do Criarte
Telefone: (31) 9814-6050
Beata, Pedro Henrique Souto Fontenelli – produtor do grupo Ponta Pronta e proprietário do Estúdio Refinaria
Telefone: (31) 9231-7168

Sites consultados
www.homestudio.com.br/Artigos/Art048.htm
www.myspace.com
www.sheffield.com.br/portuguese/estudio/apresentacao.html
www.youtube.com
www.abmi.com.br
www.abpd.org.br
www.guiadomusico.com.br
www.trama.com.br

*Texto e foto de Ana Carolina Jácome – colaboradora