O relacionamento entre empresas financiadoras e os projetos sociais e culturais

Quando o assunto é o patrocínio de projetos culturais e sociais, devem ser considerados os interesses tanto do financiador, quanto do financiado. Para evitar parcerias que ofereçam prejuízos para qualquer os lados, incluindo o desvirtuamento da idéia original do projeto, alguns cuidados devem ser tomados. Os representantes dos projetos devem se posicionar diante de exigências do patrocinador, deixando claros os objetivos propostos através do diálogo. “A melhor forma é compartilhar conceitos, expandir a consciência nossa e do outro. Uma idéia pode ser melhor elaborada em conjunto, mas a essência e interesse entre as partes não podem ser desequilibradas”, avalia Patrícia Lamego, gestora e coordenadora executiva do Instituto Artivisão, organização de direito privado sem fins lucrativos que elabora, implementa e desenvolve projetos e programas culturais, sociais e ambientais, patrocinados por empresas como MBR, MRS e Gerdau.
Uma das grandes questões a respeito da relação entre o patrocinado e o patrocinador diz respeito ao limite saudável da influência do financiador nas ações do financiado. Para não ficar no aperto, ou correr o risco de ser pressionado, a parte financiada deve ficar atenta desde a hora em que sai em busca do recurso financeiro. O patrocinado, muitas vezes, fica em dúvida se deve ir em busca de qualquer investimento ou se deve pensar, antes, nas possíveis influências de determinados financiadores na condução do projeto. Para Patrícia, o ideal é trabalhar de forma profissional, realizando um levantamento das potencialidades do projeto, analisando o mercado, área de abrangência, perfis do projeto e das empresas, estudando o comportamento das mesmas, bem como as respectivas políticas de responsabilidade social. “O posicionamento é valioso e necessário para a consistência de um projeto. A negociação é uma arte e nem sempre é possível obtermos sucesso. O mercado é amplo e acredito que existe lugar para todos”, ressalta.

Para um casamento perfeito

Para Marcelo Santos, profissional que assessora o Instituto Cultural Usiminas e a NET Multicanal na gestão de investimentos culturais, além de ser professor da Oficina de Projetos Culturais da Secretaria de Estado da Cultura de Minas Gerais, o procedimento a ser adotado ao buscar um financiador é conhecer as empresas a fundo para estabelecer uma parceria de sucesso. “É essencial conhecer as empresas, a fim de evitar que dispersemos energia em prospecções de difícil acontecimento, ao mesmo tempo em que otimizaremos as ações de captação junto àquelas para as quais o projeto tem maiores chances de financiamento. Alguns critérios, no entanto, são sempre observados em análises mais criteriosas: qualidade da produção cultural ou do trabalho realizado junto ao público-alvo, formação de públicos, estabelecimento de redes de cooperação, fomento à cadeia produtiva, potencial de divulgação do projeto e visibilidade dos patrocinadores, entre outros”, salienta.
No entanto, há empresas que não transparecem seus processos de análise, por sua vez, normalmente, vinculados a demandas ocasionais de comunicação ou atendimento a solicitações de diretores e acionistas. Nestes casos, o investimento pode não atingir os melhores resultados de marketing cultural ou social.
Há ainda outras questões que devem ser consideradas pelos representantes no momento de buscar financiamento e Marcelo Santos dá a dica: “A utilização de critérios e focos de atuação das empresas, normalmente expressos no planejamento estratégico dos investimentos culturais e sociais, é preponderante na análise. Desta forma, muitos projetos não conseguem captar recursos. Outros fatores que comprometem negativamente a captação de recursos: ausência de coerência da proposta, ausência da comprovação de capacitação do empreendedor, apresentação gráfica inadequada e, principalmente, justificativa de motivação/realização pouco convincente. Será importante ressaltar, também, a possibilidade de utilização de benefícios fiscais. Muitas vezes esta pode ser uma das principais condições para aprovação. Atualmente os mecanismos mais comuns de financiamento que possibilitam benefícios fiscais são as leis de incentivo à cultura e o Fundo da Infância e da Adolescência”, aponta.

A influência dos patrocinadores no perfil do projeto

Geralmente os projetos são concebidos com o foco em diretrizes e programas de instituições, associações ou grupos que se reúnem para pensar o desenvolvimento de ações sociais ou culturais. Neste contexto, para se viabilizar financeiramente os projetos é necessário um alinhamento com o mercado que financiará a execução dos mesmos. “Em suma, o perfil do projeto dependerá do perfil do cliente para patrociná-lo. No caso de projetos elaborados em conjunto com os financiadores, o perfil do projeto é construído coletivamente. Não considero influência, mas sintonia. É claro que se pensamos ações para o coletivo, o limite para atender a um cliente se dará de uma forma que não desvirtue o fim em si”, explica Patrícia Lamego.
Rafaela Lima, coordenadora da Associação Imagem Comunitária, ONG de Belo Horizonte, que atua na promoção do acesso público aos meios de comunicação, acredita que os preceitos éticos devem ser considerados para que os projetos sociais e culturais cumpram a sua função: “Se o patrocinador influenciar diretamente nas ações, os projetos perdem o sentido porque o terceiro setor não existe por acaso. Isso significa que há princípios e ideais que devem ser respeitados. Quem está em busca de patrocínio deve preocupar-se com o bom senso. Não deve evitar o diálogo com possíveis patrocinadores e com isso correr o risco de não estabelecer parcerias, precisa haver um meio termo, para que os projetos possam ser executados”, defende.
Marcelo Santos não acredita que as empresas influenciem na condução de projetos financiados por elas. “Normalmente, a intervenção do patrocinador está restrita à definição de datas e locais de realização do projeto. É incomum a censura ou intervenção no conteúdo da proposta, que descaracterizariam o projeto e comprometeriam o processo de criação”, analisa.
Patrícia conta que, nas ocasiões em que houve discordância de idéias, não houve influência direta do patrocinador, mas sim alinhamento de proposta, tais como mudança de nome do projeto, definição de locais de interesse para essas ações, definição de ações que foram percebidas como mais efetivas. Para ela, ainda, a intervenção direta do financiador nos objetivos dos projetos não é apropriada: “O significado da palavra intervir é tomar parte voluntariamente; meter-se de permeio, vir ou colocar-se entre, por iniciativa própria; ingerir-se. Neste contexto a intervenção, por natureza, não é uma forma construtiva de desenvolvimento de projetos. Considero que os objetivos e metas dos projetos não devem ser alterados, o que é possível são adequações na realização que não interfiram no conteúdo e finalidade”, constata.

Benefícios estimulam as empresas a investir em patrocínio

De acordo com Patrícia Lamego, o conceito de patrocínio pode ser visto como marketing cultural ou social, sendo utilizado como ferramenta de comunicação, podendo agregar valor à marca, aproximando a empresa patrocinadora a um determinado público ou target (clientes, colaboradores, fornecedores), reforçando o papel social da empresa. Da mesma forma, ao investir em projetos sociais e culturais, o financiador reforça a identidade da marca e os valores originais do negócio e da empresa. Como oportunidade para a empresa, investimento em projetos sociais e culturais são escolhas de gestão estratégica e tática, e uma forma de praticar responsabilidade social interna e externamente e ainda construir relacionamento político com a sociedade. Um outro conceito, que vem surgindo no mercado – segundo os especialistas André Martinez e Leonardo Brant -, é o de Arquitetura Cultural, que consiste na metodologia de planejamento e construção de empreendimentos e políticas privadas que gerem impacto cultural alicerçados na visão estratégica, no valor socioeconômico do negócio e no compromisso ético da empresa com a sociedade.
Os incentivos fiscais também representam para as financiadoras estímulos para o investimento nas áreas cultural e social. Os benefícios fiscais são instrumentos que propiciam ao patrocinador o desconto, no seu imposto devido (Imposto de Renda, ICMS ou ISSQN), de parte ou de todo o investimento realizado no projeto.

As diretrizes utilizadas pelo patrocinador para a escolha de um projeto

A responsabilidade social traz como benefício para as empresas financiadoras outras perspectivas, além do investimento na imagem. Segundo Marcelo Santos, os maiores patrocinadores, geralmente, têm setores específicos que analisam as propostas de financiamento nas áreas social e cultural. É comum, também, encontrar empresas que promovem análise distinta para os projetos sociais, culturais, ambientais, educacionais, de acordo com os focos de sua atuação. Os setores específicos, que podem ser institutos culturais, departamentos de comunicação, de marketing ou até mesmo diretorias designadas especialmente para a análise de projetos, estão alinhados com o planejamento estratégico das empresas. Desta forma, os critérios de análise de projetos culturais adotados em cada empresa repercutem a missão institucional, o foco de atuação, os públicos-alvos, as estratégias de posicionamento no mercado, entre outros.

Contrato constitui compromisso entre as partes e minimiza riscos

Uma vez que a imagem da empresa está associada ao projeto, os principais riscos para o investidor estão relacionados ao desempenho e à consecução dos resultados propostos. Além do que, o medo de riscar a imagem é relatado por muitos patrocinados como motivos para a intervenção do financiador. A melhor forma do investidor se preservar em relação à realização de projetos será o estabelecimento de contrato com o empreendedor e, é claro, de antemão analisar as ações propostas, para que ambos saiam satisfeitos e a idéia original seja preservada. “O contrato deverá transparecer os objetivos, os resultados, os indicadores utilizados na medição de itens qualitativos e quantitativos, os locais de realização, o público alvo, etc. O instrumento contratual preserva ambas as partes e pode ser utilizado como histórico da relação estabelecida para os casos de patrocínios mais longos”, garante Santos.

DICAS – Como garantir uma boa relação entre projetos e empresas

– Representantes de projetos e empresas devem deixar claros seus objetivos
– Objetivos de projetos não devem ser alterados em função de exigência do finaciador
– Os projetos devem pesquisar bem as empresas antes de buscar patrocínio
– As empresas devem definir claramente os critérios para escolher um financiado
– A parceria deve ser feita quando houver sintonia
– É importante que haja um contrato que garanta o compromisso inicial das partes

FONTES

Patrícia Lamego, gestora e coordenadora do Instituto Artivisão
Contato: +55 (31) 3241-5880
E-mail: patrí[email protected]
Site: www.institutoartivisao.org.br
Marcelo Santos, assessor do Instituto Cultural Usiminas e a NET Multicanal na gestão de investimentos culturais.
E-mail: [email protected]
Rafaela Lima, coordenadora da Associação Imagem Comunitária, AIC.
Contato: +55 (31) 3261-2880 / +55 (31) 3224-3463 / +55 (31) 3213-8299
E-mail: [email protected]
Site: www.aic.org.br