PRODUÇÃO CULTURAL EM DESTAQUE NAS COMUNIDADES

É um fato: existem muitos artistas e grupos culturais nas comunidades de Belo Horizonte. O Guia Cultural das Vilas e Favelas, publicado em 2004 pela antropóloga Clarice Libânio comprova essa informação e a quantidade crescente de grupos e artistas que estão sendo formados reforçam essa tendência. Com isso surgem cada vez mais ações voltadas para a visibilidade e divulgação desses grupos: eventos culturais, mostras, seminários, cursos de iniciação e aprimoramento e por aí vai. E esse investimento na área da arte e da cultura na periferia da cidade, em constante construção e aprimoramento, vem tornando cada vez mais visível uma nova demanda: a de formação de equipes na área da produção e da comunicação que garantem a realização completa de um trabalho artístico.

Existem várias etapas que permeiam um trabalho artístico e isso requer também o envolvimento de diferentes profissionais. Em termos técnicos essas etapas formam o que se chama de Cadeia Produtiva da Cultura, que pode ser entendida a partir das etapas de trabalho que são a criação, a produção, a divulgação, a circulação e o consumo. A criação é o trabalho do artista que investe na elaboração de seu trabalho artístico em qualquer área de expressão (música, dança, teatro, cinema, etc). Completada a obra artística ela precisa se inserir no mercado, ser divulgada, circular em diferentes espaços até chegar ao público e ser consumida, em eventos como um show ou um espetáculo, ou através de produtos, como um CD, um livro, DVD, etc. Essas são as etapas seguintes à criação e é importante o gestor conhecer e saber atuar nesses momentos em que os trabalhos da produção e da comunicação se tornam imprescindíveis.

O entendimento dessas diferentes áreas de trabalho, que são complementares, tem contribuído para a profissionalização da área artística e cultural na periferia de Belo Horizonte. Ações voltadas para capacitação e discussão da produção estão cada vez mais freqüentes, assim como a demanda dos jovens por capacitação nessa área vem justificando essa oferta de cursos. Reinaldo Santana, 26 anos, rapper e membro do Criarte – Comunidade Reivindicando e Interagindo com Arte, do Aglomerado da Serra, reconhece a importância dessa capacitação: “Não adianta você ser artista se não tiver um bom produtor por trás que conduza o caminho e tenha outras informações que o artista não tem e é importante ter”. Em 2003 Reinaldo participou do curso de Gestão e Produção Cultural, realizado na Escola Laura das Chagas, na Serra e com o Criarte vem realizando o Projeto RedeMUIM de Arte e Cultura. Este projeto promoveu em 2006 um curso intensivo de Gestão e Produção Cultural e em 2007 dá continuidade a esse processo de capacitação através da segunda edição do RedeMUIM que formou equipes de produção e comunicação que estão aprendendo na prática a realizar eventos e produtos de comunicação. “A identificação do contexto em que vivemos nos faz reconhecer a importância de se capacitar na área. No Aglomerado da Serra existem vários grupos em que os artistas também fazem a parte de produção do grupo e a nossa idéia é capacitar a comunidade para ela própria se produzir”.

O Curso de Ação Cultural Comunitária, realizado pela Prefeitura de Belo Horizonte, é um outro espaço de formação na área da produção. Jéssica Gonçalves, 24 anos, moradora do Taquaril há 19 anos, já foi aluna de curso semelhante e hoje responde pela produção desse projeto, além de ser uma das facilitadoras do processo de formação. Jéssica conta que é papel dos facilitadores levar informações sobre políticas públicas transversais e política cultural comunitária. "A proposta não é expor uma idéia consolidada, mas levar idéias e conceitos para que os participantes reflitam sobre esse universo e tirem suas próprias conclusões", explica. Outro aspecto importante que ela compartilha com os alunos é a percepção sobre o que um profissional da área tem que ter: estar alerta com os eventos e oportunidades que estão surgindo, ter conhecimento sobre gestão, elaboração de projetos e também relacionamento com as pessoas, dentre outras coisas.

Sobre a importância de cursos como esse Jéssica destaca: "Aqui em BH o produtor não é um cara que sai de um curso de graduação. É uma pessoa que de repente se encontra como produtor e vai encaminhando as coisas. É realmente uma coisa prática. Esses cursos vêm complementar o perfil de uma pessoa disposta a trabalhar com produção, além de identificar e potencializar pessoas que tem interesse nessa área. Esse cursos têm que vir junto com a prática". No seu caso, isso se confirmou e os resultados podem ser percebidos a partir da rede de contatos profissionais que se iniciou no curso em 2003 e se estende até hoje e também pelo seu preparo profissional. "Esse curso me trouxe um entendimento mais profissional das coisas que estava começando a praticar", conclui.

O antropólogo José Márcio Barros, que ministra cursos de Gestão e Desenvolvimento Cultural desde 1999 em diversas instituições da cidade compartilha dessa idéia. Ele acredita que a crescente demanda por qualificação nessa área vem da necessidade de aprimorar o trabalho e tornar visível o que se faz. Na sua opinião essa demanda envolve duas coisas: uma ligada à qualidade, já que cada vez mais tem mais gente fazendo ações de produção e é preciso que haja criatividade e originalidade para que o trabalho não se torne apenas mais um em um mundo de muita pluralidade. E a outra é relacionada à quantidade de demanda, que requer gente que saiba fazer o trabalho. “O trabalho com a cultura se localiza na sociedade de forma cada vez mais ampla. É crescente a demanda na área da produção cultural e pra se atender essa demanda é preciso ter conhecimento sobre a área”, afirma José Márcio.

Ele reforça a importância do aprendizado no curso se reverter em boas práticas. O curso é um ambiente de encontros que geram oportunidades para os participantes, de trocarem experiências ou mesmo articularem parcerias. “O curso não tem o papel de criar uma expectativa de trabalho, mas cria um ambiente de trocas e encontros durante e após a sua realização. Isso faz com que as pessoas que efetivamente se interessam se insiram nesse mercado a partir das suas próprias capacidades”, conclui José Márcio.

Tem ficado cada vez mais claro que a arte e a cultura vêm contribuindo no processo formativo e cidadão dos jovens de periferia de Belo Horizonte. Agora de forma crescente as outras etapas da cadeia produtiva da cultura, como a produção cultural, têm se tornado uma possibilidade profissional e real na vida desses jovens. “São alternativas que encontrei de agregar a criatividade ao lado social. A arte e a cultura não estão desvinculadas de fatores políticos, conhecimento humano, elementos educacionais. Permeiam todas as esferas da sociedade e ajudam a reduzir preconceito, discriminação, trazem inclusão social”, afirma Jéssica. Reinaldo Santana complementa: “A arte é um meio de se relacionar com o outro. Os jovens estão cada vez mais dentro pelo fato da arte ser um resgate de seus valores na busca de suas identidades e compreensão da humanidade”. Investimento em artistas e produtores que se justifica a cada dia. Os resultados estão aí.

Texto Ludmila Ribeiro

Foto: Aglomere-se 2006