Democracia social

No último dia sete de maio completaram-se três meses do assalto que acabou na morte do garoto João Hélio, no Rio de Janeiro. Como de praxe, a cobertura do crime feita pelos principais veículos de imprensa do país valeu-se da superexposição da situação dramática das vítimas. Mas, além disso, não se perdeu a chance de colocar em debate propostas que surgem como soluções fáceis para o Estado. Dentre elas, a redução da maioridade penal, por exemplo.

Na disputa pela audiência, crimes hediondos – que se caracterizam por extrema violência e crueldade – têm destaque garantido na grande mídia. A cobertura, no entanto, tende a dar dimensões espetaculares ao drama, não se ocupando de contextualizar as pessoas envolvidas, bem como os muitos significados do acontecido para o conjunto da sociedade.

Em paralelo a isso, há uma cobrança de ações do Estado. Passa, então, a ter amplo espaço na imprensa, um discurso que apresenta soluções de resultado em curto prazo para a violência. Entre elas, as mais comuns são o aumento do policiamento nas ruas e leis mais rigorosas. Em casos que envolvem menores infratores, como no de João Hélio, surge, também, a redução da maioridade penal. No entanto, dados da Frente Parlamentar pela Criança e Adolescente, da Câmara dos Deputados, indicam que apenas 10% dos delitos que acontecem no país têm envolvimento de jovens menores de 18 anos. Destes, 73,8% são infrações contra o patrimônio, ao passo que apenas 1,9% são crimes contra a vida. Fica claro que não há uma relação direta entre redução da maioridade e diminuição da criminalidade, como defendem alguns.

Esvazia-se, portanto, o debate sobre o tema da violência. Os veículos de maior circulação e audiência dão voz a um discurso superficial, que descontextualiza fatos e atores sociais. As verdadeiras causas do crescimento da criminalidade, enraizadas na desigualdade social e no consumismo, são então naturalizadas. O crime passa a ser fruto, apenas, do distúrbio de caráter daquele que o cometeu.

Em alguns casos, na tentativa de uma análise mais profunda, a educação é apontada como causa e solução para a violência. Causa porque nem todos têm acesso a ela. E se tivessem talvez o problema fosse menor. No entanto, a questão vai além da educação, pois há muitos outros direitos da maioria da população que não são respeitados pelo conjunto da sociedade. O direito à moradia, à comunicação, à saúde, por exemplo.

Para o professor e coordenador do Laboratório de Políticas Públicas da UERJ, Emir Sader, a violência torna-se uma maneira do cidadão buscar seus direitos, ainda que de forma indevida. Ele lembra que, “países com maior nível de desenvolvimento social, onde os direitos são mais reconhecidos, têm menor grau de violência”.

Emir ressalta ainda que multiplicar o sentimento de insegurança é fundamental para a manutenção da ordem social vigente. Pois ele inibe ações que possam resultar em mudanças mais significativas na sociedade. “Inseguro, o máximo que se pode almejar é uma sobrevivência conservadora, do jeito que está”. Cabe, então, perguntar a quem interessa disseminar o terror e o medo.

Criminalização da Pobreza

Se por um lado o debate superficial sobre o aumento da violência resulta em soluções imediatas e reducionistas, por outro, favorece o surgimento de discursos que criminalizam a pobreza. Acaba por delinear-se uma geografia do medo, onde determinados espaços são tidos pela população como verdadeiros campos de guerra ou redutos de criminosos.
A mídia em geral, tem papel fundamental neste contexto. A vida cotidiana daqueles que vivem em favelas, raramente é tematizada, com exceção das páginas policiais. Os espaços populares são, então, associados ao crime, principalmente por conta da presença do tráfico. A ausência do poder público nestes locais é tida como natural e cria-se um sentimento de que a pobreza deve ser eliminada.

A polarização da cidade passa a justificar as ações de coerção do Estado. De novo, as ações de caráter imediato, mas também violento, ganham força e espaço privilegiado no debate. Como conseqüência, perdem força discussões onde se proponham políticas públicas eficazes, que tratem o problema da violência não apenas como um caso de polícia. Discussões que direcionem o trabalho do Estado no sentido de repensar o papel da segurança pública, um novo modelo de sistema prisional e o planejamento da formação dos policiais, dentre outras questões.

Democracia Social

A idéia de democracia é comumente associada ao sufrágio universal. Uma sociedade democrática, no entanto, vai além do direito ao voto. Não há democracia quando não há universalização dos direitos dos cidadãos. O professor Emir Sader ressalta que “o processo de democratização social perpassa pela socialização dos bens e serviços, que devem ser coletivos”.

Por isso, o tema da democracia está intimamente ligado a muitos outros temas. Quando se fala em democracia é preciso ter em mente que ela inclui uma série de políticas públicas que mexem, principalmente, com a forma como a riqueza produzida pela sociedade é apropriada pelos cidadãos.

Neste contexto, a democratização da mídia ganha suma importância. Emir lembra que “muitas vezes outras questões [relacionadas à democracia social] não chegam a ser debatidas por conta da própria mídia”. Os meios de comunicação deveriam ser os principais espaços de debate da sociedade. No entanto, o que se vê na prática é um setor monopolista – baseado na propriedade cruzada – e que sob a bandeira da liberdade de expressão, não se submete a nenhum tipo de regulação.

Assim, debater em torno da segurança pública é mais do que urgente, dado o cenário de caos em que nos encontramos. No entanto, a solução do problema, em longo prazo, está na reestruturação dos diversos setores da sociedade, no intuito de se construir uma democracia efetiva.

Por Marianna Araújo, Observatório de Favelas
Fotos Francisco Valdean / Imagens do Povo