Terceiro setor: sustentabilidade ou dependência?

O Terceiro Setor caracteriza-se como um conjunto de organizações constituídas por agentes privados, com finalidade de produzir bens e serviços destinados à coletividade, sem fins lucrativos. Este setor é um dos pilares da sociedade moderna, uma vez que o Estado tem sido incapaz, dada a ampliação das demandas sociais e a escassez de recursos, de criar condições de provimento dos serviços públicos para toda a população. Em função disso, estas organizações agem como transformadores sociais, lutando para melhores condições e defesas do direito da sociedade.
O Ministério Público do Estado de Minas Gerais, por meio do CAOTS (Centro de Apoio ao Terceiro Setor), constatou que em Belo Horizonte existem cerca de 2.000 instituições sociais, associações ou fundações em funcionamento.
Segundo o Diagnóstico do Terceiro Setor, desenvolvido pelo CAOTS, entre 2000 e 2005, a maior parte das organizações não governamentais sobrevivem através de doações, patrocínios, venda de produtos ou serviços e recursos de origem governamental.
Embora o Terceiro Setor tenha apresentado um enorme crescimento desde meados da década de 1990, as instituições dessa área ainda sofrem a necessidade de recursos financeiros para manutenção e financiamento de seus projetos. A falta desses recursos leva muitas Instituições a sofrerem um processo de descontinuidade em suas atividades, com quebra dos compromissos com o público-alvo e as comunidades beneficiadas.
De acordo com Solange Bottaro, coordenadora da Instituição Ramacrisna, que completou 49 anos de atuação este ano, “A arrecadação de recursos é uma grande dificuldade enfrentada pelas Ongs na sua trajetória”. Ela conta que no inicio as coisas não foram fáceis e o que garantiu o sustento de parte das despesas do projeto foram as duas unidades produtivas criadas: a Fábrica de Massas Ramacrisna e a Fábrica de Telas de Arame Ramacrisna.
Outro fator que auxiliou a vencer as dificuldades foi o estabelecimento de parcerias com empresas como: SEBRAE e LOCALIZA, que garantiram a otimização dos projetos. Solange relata que em 2002 a Instituição recorreu à elaboração de projetos para captação de recursos via incentivos fiscais. O resultado foi tão positivo que hoje o projeto – “Construindo o Futuro” – está em sua 4ª edição e é patrocinado pelo Programa Fome Zero da PETROBRAS. O objetivo é desenvolver programas de educação, promoção humana e sustentabilidade para a comunidade, através da qualificação profissional e incentivo a ações de geração de renda.
Atualmente a Ong atende a cerca de 3 mil pessoas, por ano: oferece ação complementar à escola, com auxilio pedagógico para alunos de ensino fundamental de escolas públicas, cursos profissionalizantes para jovens em situação de risco social, trabalho de apoio à família, com cursos de geração de renda para as mães e terceira idade, palestras informativas, eventos festivos, torneios esportivos e alfabetização de adultos.
Karen Menezes, coordenadora da Ong Contato, criada em 1999, concorda que é um grande desafio a manutenção de uma Instituição e seus projetos. No início a Contato passou por momentos difíceis, até que conseguiu apoio de empresas do setor privado, que ajudaram a Ong em parte das despesas. Depois conseguiu recursos para o desenvolvimento de projetos através da Fundação do Banco do Brasil, em seguida surgiu a parceria com a Prefeitura de Belo Horizonte, que cedeu o espaço para que as atividades fossem desenvolvidas. Constituída como Centro de Referência da Juventude, com o intuito de estimular e fortalecer a mobilização de jovens, hoje a Ong desenvolve projetos na área de audiovisual, como o Projeto Cine Aberto, que promove exibição de filmes, alimentando a produção e debate sobre o setor Audiovisual.
Para Rafaela Lima, coordenadora e uma das fundadoras da AIC – Associação Imagem Comunitária -, a dificuldade em conseguir recursos para manutenção de despesas acontece na maioria das Ongs. “Muitas vezes consegue-se recursos para desenvolvimento dos projetos, mas não para a manutenção das despesas administrativas e despesas da sede”.
A AIC atua na promoção do acesso público aos meios de comunicação, construindo espaços na mídia para que grupos com poucas oportunidades de visibilidade se coloquem no debate público, fomentando, assim, a construção da cidadania. Entre os diversos projetos da AIC destacam-se a Rede Jovem de Cidadania, uma rede de mídias que atinge todo o Estado de Minas Gerais, e o Juventude de Atitude – série de documentários sobre os movimentos culturais juvenis das periferias da região metropolitana de Belo Horizonte.
A AIC existe desde 1993, porém só a partir de 2003 a Instituição passou a ter recursos para custear o aluguel de uma sede própria,, antes disto a Ong sustentava-se através de equipamentos emprestados e trabalho voluntário. Com o apoio adquirido pela PETROBRAS, para desenvolvimento do Projeto Rede Jovem de Cidadania, a entidade conseguiu pela primeira vez garantir recursos para manutenção de uma sede e despesas administrativas. Porém, ainda há os momentos difíceis, principalmente nos períodos de renovação do patrocínio, quando costuma haver atrasos. .A associação conta com uma importante Rede de parcerias, que auxiliam com intuito de desenvolver projetos sem necessidade de recursos financeiros.
Outra tendências das instituições do terceiro setor, que já chegou à AIC, é a prestação de serviços diversos, que contribuem para gerar renda e sustentabilidade para as ongs. No caso da AIC, os serviços são na área assessoria, consultoria e cursos em comunicação e mobilização social para empresas do setor privado, como a Companhia Vale do Rio Doce, por exemplo. De acordo com Rafaela, “essa tem sido um frente importantíssima, auxiliando na manutenção da Ong.”
Importante também como fonte de recursos para as instituições do terceiro setor são as leis de incentivo à Cultura e o FIA – Fundo da Infância e Adolescência. Em ambos os casos, as empresas apoiadoras têm descontos de impostos – ISS na Lei Municipal, ICMS na Estadual e Imposto de Renda, no caso da Lei Federal e do FIA. O problema nesses casos também é a descontinuidade, uma vez que não há garantia da aprovação dos projetos e captação dos recursos, que têm que ser buscados novamente a cada ano.
Uma instituição que sofre com essa descontinuidade é o próprio Favela é Isso Aí, que teve suas atividades paralisadas por quase seis meses por falta de recursos financeiros. Apesar de ter quatro projetos aprovados nas leis de incentivo, a dificuldade de captação dos recursos fez com que a equipe fosse desfeita e só os serviços mínimos mantidos. Somente agora, ao final de 2007, as atividades estão sendo retomadas e ampliadas, com a implantação do Centro de Referência em Cultura Popular Urbana, onde funcionará a Agência de Notícias Favela é Isso Aí, o Núcleo de Audiovisual e o Estúdio Comunitário da entidade.
A busca da sustentabilidade e das parcerias financeiras duradouras com os poderes públicos e iniciativa privada é o caminho buscado pelas organizações não-governamentais em todo o mundo. Entretanto, a fórmula para esse caminho ainda não foi alcançada pela maior parte das entidades.
De uma maneira ou de outra, o Terceiro Setor ganha força nos dias de hoje tentando solucionar os mais variados problemas sociais e contribuindo diretamente para a gestão pública de qualidade, em diversas áreas. Entretanto, ainda falta reconhecimento público, apoio e parcerias e garantia dos recursos necessários à sua sobrevivência. São lacunas que necessitam de um empenho coletivo de governo, empresas e sociedade civil, no sentido de viabilizar a continuidade dos trabalhos, a fiscalização dos serviços prestados e a eficácia dos resultados na busca de uma vida melhor para as comunidades e públicos atendidos.

Colaboradora: Larissa Ferreira
Jornalista Responsável: Edilene Lopes
Revisão: Clarice Libânio

Foto: capa do diagnóstico do terceiro setor – CAOTS/MG