A gente quer comida, diversão e esporte

Brincar, praticar esporte e divertir-se são direitos garantidos pelo ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente – e estão associados ao direito à liberdade e à dignidade. A prática de esportes é um direito social, garantido constitucionalmente como obrigação do estado e da sociedade. Em sua atual versão, a Constituição brasileira aponta três formas de esporte: o de rendimento, o de participação e o de lazer.

Segundo o professor Daniel Marangon, coordenador do complexo esportivo da Puc Minas, “isto quer dizer que qualquer cidadão brasileiro, de qualquer lugar, de qualquer idade, sexo, condição social, independente de qualquer característica que apresente, todos têm direito ao esporte”. Infelizmente, na prática a legislação ainda não funciona. O investimento é pouco e muitos esportes necessitam de equipamentos caros ou grandes. Será por isso que o Brasil ainda é o país do futebol?

Indiscutivelmente, o futebol é a paixão nacional. Muitos outros esportes, como o vôlei, a natação, handebol, tênis e até mesmo a ginástica olímpica, estão atraindo atenção e conquistando torcidas, mas o futebol ainda é a preferência dos brasileiros. O motivo? Para alguns o futebol é o esporte mais praticado em quase todo o mundo, em função de ter surgido na Inglaterra, em um período em que este país era a principal influência cultural e econômica no mundo. Para outros, o futebol é tão popular por causa da sua acessibilidade. Afinal, basta uma bola no pé para jogar a famosa peladinha, na rua, no parque ou até no terreiro de casa. Além do mais, no Brasil de hoje, futebol também é sinônimo de sonho, sonho de uma vida melhor, sonho de deixar de ser menino pobre e se transformar em estrela do futebol internacional.

As comunidades, o futebol de várzea e a Copa Itatiaia

Muitos dos atuais jogadores de futebol amador de Belo Horizonte também sonharam com o sucesso e o dinheiro. Hoje eles são trocadores, seguranças, pedreiros, porteiros, que no domingo vestem a camisa do seu time e transformam jogos de futebol em momentos de integração. Segundo o técnico do Santa Catarina Futebol Clube, Fernando dos Santos, o futebol é praticamente o único esporte praticado na Pedreira Prado Lopes e é através dele que varias pessoas da comunidade se mobilizam em prol do coletivo. Segundo Fernando, os jogos, que sempre são realizados aos domingos, se mostram como momentos de socialização, de conhecer pessoas, de fazer amigos, muitas vezes até de arrumar casamento.

O futebol amador, mais conhecido como futebol de Várzea, é tradicional em Belo Horizonte. Por volta da década de 1950, existiam vários times e campos de futebol amador, os jogadores eram reconhecidos e os jogos realizados aos domingos estavam sempre com a casa cheia. Segundo o radialista Emanuel Carneiro, da Rádio Itatiaia, “esses times incendiavam o bairros e os jogos eram comentados a semana inteira”. À medida em que Belo Horizonte foi crescendo, esses campos foram sendo vendidos e hoje um dos principais problemas enfrentados pelos times de futebol amador é justamente a falta de campos bem conservados.

Um dos torneios de maior destaque do futebol amador na cidade é a Copa Itatiaia, realizada pela rádio Itatiaia desde 1962, quando se comemorava os 10 anos da rádio. Naquele ano, foram realizados vários eventos, entre eles luta livre, batalha de carnaval e o torneio de futebol amador com times de Belo Horizonte. Atualmente disputam o campeonato 16 times de BH e 16 times da região metropolitana, a grande maioria de oriundos de vilas, favelas e periferias.

Apesar da Copa ser um campeonato amador, os procedimentos são os mesmos do futebol profissional. Todos os radialistas envolvidos são aqueles que cobrem os principais campeonatos de futebol do país, e, além disso, a competição conta com um tribunal próprio para julgar atletas e árbitros. O código brasileiro de justiça desportiva rege a legislação desportiva, onde os jogadores, atletas, árbitros, dirigentes são punidos ou não por cometer qualquer irregularidade dentro do jogo e tudo que envolve os campeonatos.

De acordo com o advogado Cristiano Sarmento, “o tribunal da Copa Itatiaia vem trazer essa disciplina e também fiscalizar a legislação desportiva”. Segundo ele, na Copa não costuma haver deslealdade, “mas a maioria das irregulares é reflexo da vontade das equipes, da vontade de ganhar um campeonato, a partida, reflexo que as equipes acabam demonstrando dentro de campo.” Ainda segundo Sarmento, “a violência dentro e fora do campo de futebol não é especifica do futebol amador, acontece tanto no futebol profissional brasileiro e mundial como também no amador, motivo pelo qual há regras para que estas atitudes sejam coibidas”.

O advogado ainda destaca a importância da Copa na integração social entre as comunidades: “ela leva a comunidade a um reconhecimento, mesmo que momentâneo, porque a comunidade vê a necessidade de reconhecimento do trabalho, é uma forma de inserção da população dos aglomerados, de vilas e favelas, no contexto social de Belo Horizonte”, diz Cristiano.

Para Fernando dos Santos, a Copa Itatiaia é a Copa do Mundo do Futebol Amador e a importância se dá no reconhecimento da comunidade como atores daquele acontecimento. O torneio gera uma visibilidade que mobiliza a população em torno dos pequenos times, que não contam com qualquer tipo de apoio financeiro. Essa integração quebra o mito da violência nos campos de várzea. “A rivalidade existe de uma forma saudável, porque os jogos são encarados com seriedade e respeito mútuo”, diz ele. Prova disso é o fato das torcidas ocuparem o mesmo espaço e conviverem pacificamente.

Esporte como direito e realização

Segundo Alexandre Almeida, diretor de esportes comunitários da Secretaria de Esportes de Minas Gerais, o esporte em si, com suas regras, com a questão da coletividade, da disciplina e dos desafios, melhora até mesmo os relacionamentos, tornando crianças e jovens em pessoas mais sociáveis.

Para o professor Marangon, “se o esporte é direito, é obrigação do estado e da sociedade e deve ser cobrado como tal pelas pessoas. As contribuições do esporte ultrapassam a socialização, no sentido mais restrito. As pessoas que se apropriam do esporte, e o vivenciam continuamente em suas vidas, se relacionam melhor consigo mesmas, têm melhor auto-estima, alegria e disposição para a vida, apresentam melhores condições de saúde e maior expectativa de vida, sabem lidar melhor com as dificuldades enfrentadas na vida, com frustrações, desenvolvem a capacidade de superar limites com disciplina, se sentem mais livres para serem quem são, para conhecer e reivindicar seus direitos, se posicionam frente a situações das quais discordam e propõe soluções criativas para problemas e conflitos.”

O professor também cita a importância da realização de esportes quando ainda crianças e jovens. “Pessoas diferentes passam a ser colegas no esporte, se sentem valorizadas por terem oportunidade de investir numa vida de saúde, de amizades, de boa convivência. Elas passam a ter o seu tempo preenchido com atividades que trabalham valores e estimulam o esforço, a disciplina, o mérito”.

Fonte para consulta
Emanuel Carneiro (Rádio Itatiaia – departamento de esportes): 2105-3578

Foto: Campo de futebol do Conjunto Confisco.
Autor: equipe Favela é Isso Aí