A TRADIÇÃO DO CONGADO NAS VILAS DE BELO HORIZONTE

De origem africana, das áreas do Congo, Moçambique e Angola, o congado chegou ao Brasil com os escravos e passou a ser também uma manifestação católica. Algumas pessoas acreditam que a história do congado em Minas Gerais começou com a vinda de Chico Rei, que era rei na África, e veio pra cá, na metade do século XVIII. Em 1747, ele teria organizado a primeira festa dos negros em Minas, como forma de agradecer a Nossa Senhora do Rosário a benfeitoria de ter enriquecido depois de explorar uma mina abandonada.

A partir daí, teriam surgido irmandades e guardas de congado em todo o estado. Atualmente existem mais de trezentas, segundo dados do CEDEFS – Centro de Documentação Eloy Ferreira.

Nas vilas e favelas de Belo Horizonte, há diversas guardas e irmandades, que prosseguem com esta tradição que já perdura por vários séculos, entre elas a Congregação Nossa Senhora do Rosário do Barreiro de Cima, no Jatobá I, e a Guarda de Congado Nossa Senhora do Rosário Aparecida, da Cabana Pai Tomás.

O congado é formado por uma corte, composta de rainha e rei-mor, rainha conga, rei congo, princesa, príncipe e capitão. Também participam das congregações os guardiões, que é a guarda que toma conta da corte, e os caixeiros, que são aqueles que batem caixa, ou mais popularmente falando, tocam tambor. A rainha e o rei congos são eleitos a cada ano, enquanto os reis-mor são perpétuos. A princesa representa a princesa Isabel, que aparece como a representação da pureza, da fidelidade e da bondade.

A devoção a Nossa Senhora do Rosário é uma tradição desde os tempos da escravidão, pois aparece como a protetora dos negros. Cada grupo conta com uma bandeira guia, que é uma haste com o desenho de Nossa Senhora do Rosário. Para os congadeiros, essa bandeira é o símbolo que representa a fé que eles têm na santa dos escravos.

Cabana e Jatobá têm sua religiosidade reforçada pelas guardas

A Guarda Nossa Senhora do Rosário Aparecida foi criada em 1978, quando a Cabana ainda era um local sem infra-estrutura e não contava com nenhuma manifestação cultural deste tipo. A idéia surgiu do senhor José Francisco Candido (67) e sua esposa Carmem Candido (63), pois ela já era rainha conga em uma congregação de Divinópolis.
Nos primeiros anos, a Guarda era composta apenas de crianças e os adultos participavam da diretoria. Há três anos eles organizam a sua própria festa, que é realizada todo dia 06 de Julho em homenagem ao santo padroeiro da Guarda, São Pedro. Para o senhor José Francisco, no Cabana a festa é realizada comunitariamente. No dia do evento a guarda faz uma caminhada, visitando casas de moradores. Na data também é servido um almoço para toda a comunidade.

Já a Congregação Nossa Senhora do Rosário completou 29 anos no mês passado. O congado já era uma tradição na família do senhor Antônio do Carmo Ribeiro (60), que fazia parte de uma guarda na cidade de Aranha. Ao mudar-se para o Jatobá, resolveu fundar este novo grupo. Atualmente a maioria dos componentes pertence a uma mesma família, mas, segundo seu Antônio, a comunidade toda gosta e participa.

A festa da congregação é realizada todo dia 19 de outubro. Na parte da manhã, o capitão sai com o pessoal da guarda para juntar os coroados, depois vem a procissão com a imagem de Nossa Senhora do Rosário, seguida da tradicional Missa Conga. A congregação oferece um almoço para a comunidade e a festa termina com a coroação do rei e da rainha do próximo ano.

Na opinião do senhor José Francisco, na região da Cabana a transferência da herança cultural desses grupos está cada vez mais difícil. “A tradição está acabando em função do próprio sistema. A geração de hoje não valoriza e as drogas e a violência também contribuem para acabar”, diz ele. Já o senhor Antônio do Carmo considera que no Jatobá os jovens ainda querem participar.

A Igreja Católica também participa da celebração e hoje os padres celebram a Missa Conga sem maiores problemas. Segundo o senhor Antônio, eles já tiveram dificuldades com alguns padres, em outras épocas, em função da ligação que as pessoas faziam com a umbanda, mas hoje já não existe mais tanto preconceito.

Apesar de o congado ter nascido de um processo aculturativo entre o modelo religioso branco e a recriação do negro, Antônio e José Francisco consideram que seguem um ritual tradicionalmente católico, sem nenhuma influência das religiões africanas, como a umbanda.

Hoje, o principal problema enfrentado pelos grupos é mesmo a falta de apoio financeiro para a compra de instrumentos e a feitura de roupas. A festa é custeada pelo rei de cada ano, que fica responsável pelo almoço e por convidar as guardas de outros lugares.

Fontes para consulta:

Antonio do Carmo Ribeiro (capitão da Congregação Nossa Senhora do Rosário do Barreiro de Cima): 3336-8996

José Francisco Cândido (capitão da Guarda do Congado Nossa Senhora do Rosário): 3386-1699

Foto da matéria: Folia de Reis Jesus, Maria e José – Vila Marieta.
Autor: Pedro David – Caixa Preta Fotografia