Literatura produzida no morro é tema da coleção que será lançada pela ong Favela é Isso Aí

A literatura marginal hoje em dia ganhou um novo significado. Se no passado o conceito era geralmente associado à produção independente, com o passar dos anos o conceito mudou e hoje está associado à literatura proveniente das classes populares. Pelo menos é essa a conclusão de muitos especialistas que estudam o assunto. Se em alguns estados a literatura marginal está tomando corpo e destaque, em Belo Horizonte atualmente não há divulgação do trabalho dessas expressões literárias que representem a periferia.

A partir do Guia Cultural de Vilas e Favelas, organizado pela antropóloga Clarice Libânio, foi possível perceber que existia produção literária nestas comunidades, mas estas geralmente permaneciam no desconhecimento, devido às dificuldades de impressão e distribuição. Com a avaliação destes materiais surgiu a idéia de lançar uma coleção sobre a produção literária da periferia que envolveria prosa, poesia, contos e peças teatrais. Para isto foi realizado um concurso, em 2007, que teve 29 autores selecionados.

“Produção Literária”

O volume da coleção “Prosa e Poesia no Morro” intitulado “Produção Literária” é uma coletânea dos principais textos produzidos por artistas de vilas e favelas de Belo Horizonte nos últimos anos. A idéia inicial era publicar também peças teatrais, mas devido ao número insuficiente de inscrições para esta categoria os textos de teatro ficaram para uma próxima oportunidade, o que já está nos planos da ong.

O livro conta com representantes de várias comunidades, entre elas Alto Vera Cruz, Aglomerado da Serra, Morro das Pedras, Conjunto Ribeiro de Abreu e Vila São José. Os temas são bem diversificados. Uma das autoras, Dulce Baptista Lopes, de 71 anos, moradora do conjunto Fernão Dias, conta que começou escrevendo cartas para amigos, cartões de aniversário em versos, até que desenvolveu suas poesias no Programa Arena da Cultura. Ela geralmente retrata em seus textos o cotidiano que a cerca. Uma de suas poesias, Vaga-lumes do Asfalto, por exemplo, foi inspirada nos engarrafamentos da capital.

Para Clarice Libânio, coordenadora da ong Favela Isso Aí, foi possível perceber que boa parte do produto literário destes autores tem sua referência na literatura ensinada nas escolas, numa linha mais ligada ao romantismo e ao parnasianismo.

Ainda segundo a coordenadora, “poucos autores fazem uma reflexão social e poucos seguem tendências de escrita mais contemporâneas”. Wanderson Adriano, o Novato, de 28 anos, morador da extinta Vila São Miguel, é um desses autores que escreve sobre temas ligados ao social. Novato diz escrever sobre o que lhe comove. Segundo ele, “as desigualdades sociais, raciais e as contradições dentro da sociedade são as minhas inspirações”.

A publicação de trabalhos como este, de cunho coletivo, contribui para modificar o acesso aos meios de produção, o espaço de publicação e também valoriza o trabalho destes autores, que sonham em ter ao menos parte de sua obra publicada.

Um detalhe importante é que as ilustrações do livro também são de moradores das comunidades. A maior parte foi produzida pelos integrantes do Projeto Arte Favela, da Vila Presidente Vargas, e outra parte foi feita por um dos autores, Sérgio Frank, de 32 anos, morador no Aglomerado da Serra.

Sugestão de fontes:
1. Clarice Libânio: 3282-3816
2. Dulce Baptista:3466-4527
3. Wanderson Adriano (Novato): 3432-2641

A ilustração dessa matéria faz parte do livro de poesias e foi produzida pelos jovens do projeto Arte Favela.