A família hip hop na luta contra a violência

por Cristiano Silva Rato
“Se eu falo ‘B’
é uma nova bomba na batalha do homem.”

Maiakóvski (1893-1930), do poema De “V Internacional”.

 “Quem é você?
Pantera Negra.”
Z’África Brasil, do álbum Verdade e Traumatismo
Início de dezembro, 2010, Belo Horizonte. Cada vez mais, escrever relatos vividos, presenciados, por mim ou por amigos, parecem se aproximar da ficção. Atrocidades não justificáveis e reproduções de preconceitos advindos de períodos bárbaros se multiplicam por todos os lados, impregnados nos consensos de que fala Boaventura. Ações de crueldades são anunciadas todas as manhãs. Neste ano, o tema “violência” não parou de crescer, assim como em anos anteriores. O assunto é evidente de diversas formas em capas de jornais, ou anúncios de propaganda. As mesmas mídias costumam propor, através de especialistas, opiniões. Essas demonstram a preocupação da sociedade em relação ao problema do aumento da violência urbana, no tempo do domínio técnico, do discurso e da imagem.
O sociólogo polonês Zygmunt Bauman chama a atenção para a construção de malhas no tecido social, que predestinam à sociedade moderna, a qual define como líquida, a uma vida de medo. Jean Baudrillard enunciava uma guerra mantida pelo Estado contra a sociedade, sendo esta já destituída do social, perdido durante a sociedade de massas, e do espetáculo, dita por Debord. Essa sociedade estaria envolvida em um simulacro e se repetindo em inúmeros círculos de convivência, simulações. Previstas e propostas por especialistas, resultados – de pesquisas – são hiper-realizados como produtos de análises de inúmeros tipos, inclusive na área de comunicação. Esse modo de vida se desenvolve, pelo viés do controle efetivo das forças de coerção. São organizados por convenções de ordenamento da sociedade, os quais Jacques Rancière (1996), chama de polícia. 
No site da revista Veja (http://veja.abril.com.br [2]) podemos encontrar uma coletânea (de diversos anos) na seção “Temas em destaque no acervo digital” intitulada “Em Veja, opiniões sobre a violência e o combate ao crime”. Essas falas refletem diferentes modalidades de especialistas da era moderna, passa por figuras públicas como um apresentador de tevê, dois militares, um historiador direitista britânico, um psicanalista e um psicólogo. Publicado posteriormente ao ataque das forças conjuntas do Estado contra o “inimigo” que tomou a favela (ou a comunidade, ou a área de risco ou de alta vulnerabilidade social ou tantas outras definições dadas), como não cansam de repetir os artigos sobre o tema. Tal coletânea foi postada a fim de ilustrar o pensamento de “personalidades” e “pensadores”, as chamadas pessoas de bem.
Não pretendo comparar, mas, sim, ilustrar duas formas distintas de combate a violência. A promovida pelo discurso oficial e a praticada pelos movimentos culturais, aqui, em decorrência de caso sofrido pelo movimento hip hop belorizontino. Recentemente – final de novembro de 2010 – um de seus militantes, o rapper, educador social e coordenador do Centro de Referência Hip Hop, Hudson Carlos de Oliveira, o Ice Band. Contrariando o discurso, da violência livre, atribuída aos moradores de favelas, e ou a classes abastardas, o rapper foi vítima de uma chaga que impregna o corpus da sociedade, o preconceito étnico-racial. 
Vestido da peita do movimento hip hop e expondo, sempre, seu boné aba reta, Ice Band, foi espancado por sete indivíduos no “Bar Brasil 41”, área nobre (?) de Belo Horizonte, um deles assessor de imprensa da OAB-MG. Ao procurar a polícia, para prestar queixa o rapper relatou descaso por parte das “autoridades”. Após os atos de violência sofridos, tanto pela sociedade civil, quanto pelo Estado, o “Centro de Referência Hip Hop Brasil”, em conjunto com movimentos culturais e amigos do rapper, desenvolveram uma “Moção de Repúdio” (http://www.vivafavela.com.br/materias/mo%C3%A7%C3%A3o-de-rep%C3%BAdio-co… [3]) à violência, junto à campanha “Desarme a violência dentro de você”. Sendo esta composta por ações veiculadas aos quatro elementos da cultura hip hop (breck, graffit, Dj, rap).
O aumento da repressão e o melhoramento do policiamento são destaques nos sentidos distribuídos nos dizeres, das “pessoas de bem”, na revista “Veja”. Assim como a indução ao pensamento da existência de guerra. Com isso a revista deposita sua fé no modo como as autoridades e as “pessoas de bem” do mundo inteiro presenciaram o sucesso da ação conjunta e da demonstração do poder da união das instâncias de Estados da Federação. Aclamada e aplaudida, por sua eficácia no combate ao crime organizado e a violência advinda da favela e de seus moradores, como se pôde ver logo depois nas manchetes dos principais jornais mundiais.
Se jogarmos o termo hip hop no oráculo moderno (google.com), ele nos enunciará milhares de links convergindo para o tema junto à educação e cultura. As ações se desdobram em várias formas, desde as do tradicional pilar do hip hop a oficinas sócio-educativas, promovidas por militantes, e ocupações do espaço público, como o Duelo de Mc’s, e outras atividades. Mas o hip hop não se restringe a ações em megalópoles, também são desenvolvidas atividades em cidades interioranas e vilarejos. Contrariando a imagem imposta aos seus lugares de origem, age de forma política, na visão de Rancière, no sentido de rompimento da lógica do cada um no seu lugar. Transforma os espaços e propõem novas maneiras de agir.
 
Referências:
BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade / Zygmunt Bauman; tradução Eliana Aguiar. – Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009.
BAUDRILLARD, Jean. A Transparência do mal: ensaio sobre os fenômenos extremos. 2.ed. São Paulo: Papirus, 1990. 
BAUDRILLARD, Jean. Simulacros e simulação. Portugal, Lisboa: Relógio d’Água, 1991.
BAUDRILLARD, Jean. À sombra das maiorias silenciosas: o fim do social e o surgimento das massas. São Paulo: Brasiliense, 2004.
BAUMAN, Zygmunt. Confiança e medo na cidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2009.
RANCIÈRE, J. O Dissenso. In NOVAES, Adauto (Org.). A crise da razão. São Paulo: Companhia das Letras, 1996. p.367-382.
SANTOS, Boaventura de Sousa. Reinventar a democracia: entre o pré-contratualismo e o pós-contratualismo. In OLIVEIRA, Francisco; PAOLI, Maria Célia (org). Os sentidos da democracia: políticas do dissenso e hegemonia global. Editora Vozes. Rio de Janeiro: 1999. p. 83-129.
 
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[1] http://www.vivafavela.com.br/

[2] http://veja.abril.com.br
[3] http://www.vivafavela.com.br/materias/moção-de-repúdio-contra-violência-sofrida-pelo-rapper-e-arte-educador-hudson-carlos-ice-ban
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